«Ligamento cruzado anterior». O nome identifica um dos maiores medos do futebolista profissional. Arruina sonhos, compromete carreiras, implanta o medo. A lesão, assustadora, é também o título do mais recente livro de José Carlos Noronha. Um homem versado na arte de salvar joelhos e almas. Um verdadeiro guardador de homens. 

Cirurgião ortopedista, este médico é o homem de confiança da maioria dos craques nacionais. Pepe, Anderson, César Peixoto, Derlei, Bebé, e tantos outros, passaram-lhe pelas mãos. Chegaram, não raras vezes, em pânico e saíram de esperança renovada.

José Carlos Noronha apresentou no dia 16 de outubro, nos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Matosinhos, o quarto livro de sua autoria. Parte do day after foi passado em entrevista ao Maisfutebol.

E tudo começou há 35 anos. Zé Carlos, na altura também ele um futebolista, lesionou-se gravemente. Rompeu o ligamento cruzado anterior. Foi vítima e passou por um processo duríssimo de reabilitação.

Recuperado, e já embrenhado nos campos da Medicina, tomou a decisão mais importante da vida profissional: assumir a dedicação a esta lesão.

«Na altura, curiosamente, não me mexeram nos ligamentos. A minha sorte foi terem operado apenas o menisco. As coisas eram tão diferentes. Engessava-se a perna seis semanas e comprometia-se a articulação da perna. A rigidez articular era uma consequência óbvia», refere José Carlos Noronha.

Todo o processo o intrigou e levou-o a aprofundar os estudos na área. «Especializei-me neste campo e tenho sido recompensado. É um prazer enorme poder contar tudo o que tenho vivido».

«O processo mais grave da minha carreira? O de Bebé»

Qual foi a lesão mais grave ou o caso mais preocupante reparado por José Carlos Noronha? O cirurgião responde sem hesitação.

«O do Bebé, na altura no Besilktas», esclarece. «Ele esteve seis semanas a fazer fisioterapia até ter condições para ser operado. Todos os ligamentos estavam comprometidos e a recuperação foi dificílima», acrescenta.

O agora jogador do Paços Ferreira, cedido pelo ManUtd, foi obrigado a parar oito meses. «E as coisas correram bem. Ele podia ter ficado inutilizado para o desporto. Se a operação fosse feita algumas semanas antes, quando o joelho ainda não estava preparado, o Bebé não estava hoje a jogar futebol».

Falávamos, algumas linhas acima, no dom de José Carlos Noronha para joelhos e almas. Não havia exagero. O foro psicológico é «tão ou mais relevante» do que o físico.

«Reparemos neste cenário: o jogador sofre uma lesão grave, em campo, e percebe-o de imediato. A reação natural é a entrada num estado de pânico. Esse pânico alastra-se e torna-se numa preocupação para o próprios e os que rodeiam», sublinha.

«A isto soma-se depois o ambiente de hospital, até à entrada no bloco operatório. O atleta tem de estar estabilizado para que a intervenção corra bem. Eu tenho sempre essa preocupação com o lado emocional. Não pode haver precipitações».

Derlei e Pepe: dois casos marcantes

Se Bebé foi o paciente encontrado num estado mais preocupante, Derlei e Pepe foram os protagonistas das recuperações marcantes. José Carlos Noronha fala de dois «guerreiros reais».

«Foram dois casos de enorme gravidade. O Derlei foi operado e, ainda a recuperar da anestesia, gritava pelo Jorge Mendes [empresário] e dizia que queria ir treinar. Nunca vi ninguém com essa garra. Eu, naturalmente, dizia-lhe que ainda teria de esperar um pouquinho».

Em dezembro de 2009 foi a vez de Pepe. «Apesar da complexidade do caso, conheci um indivíduo extremamente equilibrado, culto e humano. Entendeu desde o início as minhas indicações e fez uma recuperação fantástica. Marcou-me de forma muito positiva».

Mas nem só de craques e futebolistas se faz a lista de pacientes de José Carlos Noronha vai. No próximo fim-de-semana, por exemplo, o clínico estará em Vinhais a prestar consultas gratuitas.

Há 20 anos consecutivos o cirurgião repete, juntamente com outros colegas, a intenção de levar a medicina às regiões mais esquecidas de Portugal. «Desta vez vamos 12 especialistas. As pessoas pouco ou nada têm, queremos ajudar».