Chama-se Alban Lafont, tem cara de miúdo, mas de balizas percebe ele. O Toulouse fez história este sábado na Liga francesa ao entregar a baliza a um jovem de 16 anos, imitando o que o AC Milan fizera recentemente com Gianluigi Donnarumma. Numa posição em que, por ser tão específica, a tendência é para apostar na experiência, estes casos não podem ser ignorados.

Até porque, diz-nos a história, vários dos melhores guarda-redes de sempre afirmaram-se numa equipa sénior ainda em idade precoce. Buffon, Casillas ou Neuer, por exemplo, apenas para citar alguns dos mais mediáticos da atualidade.

É impossível prever o futuro de Lafont ou Donnarumma, mas o primeiro passo está dado. E, muitas vezes, por ser o mais difícil, é também o mais importante.

No caso de Lafont, ao ser titular frente ao Nice, tornou-se o mais jovem guarda-redes da história da Liga francesa, com 16 anos e dois meses. A anterior marca pertencia a Mickael Landreau que, aos 17 anos e cinco meses, foi titular num Nantes-Bastia.

Se, no caso de Donnarumma, a lesão de Diego López ajudou Sinisa Mihajlovic a decidir ( e já vai em seis jogos seguidos), para Lafont valeu apenas a vontade do treinador, Dominique Arribage. E isto numa altura em que o Toulouse é penúltimo no campeonato. Contudo, correu bem: não só Lafont manteve a baliza inviolável, como a equipa venceu por 2-0.

Registe-se ainda que Lafont suplantou o uruguaio Mauro Goicoechea, ex-Arouca, que começou a época a titular, mas é, agora, suplente do jovem francês.

A propósito destes casos, o Maisfutebol conversou com Vítor Baía. Também ele um talento precoce das balizas e, agora, coordenador do «Projeto 1», uma ideia da Federação Portuguesa de Futebol para formar os guarda-redes do futuro.

Baía vê com bons olhos estas apostas precoces, pois não tem dúvidas: «Antes dos 20 anos, um guarda-redes já está preparado para assumir uma baliza.»

«A tendência é para cada vez mais jovens aparecerem mais cedo. Tem a ver com a qualidade do treino e a evolução das Ligas. Ficam mais cedo preparados para defender as suas equipas e trazem conceitos novos», explica.

Não será do nada porque o futebol é um mundo em que nada é oferecido. «É preciso haver uma conjugação de fatores, entre os quais a sorte, para que haja uma aposta efetiva. Acontece com quase todos os jovens no início de carreira. Depois é preciso agarrar essa oportunidade», descreve.


Gianluigi Donnarumma, titular do AC Milan aos 16 anos

«Não se pode apostar a pensar que pode correr mal»

Foi assim com o próprio Baía, de resto. Tinha 19 anos quando as lesões de Mlynarczyk e Zé Beto lhe abriram as portas da baliza do FC Porto, na deslocação a Guimarães em 1988. Nesse jogo os guarda-redes do FC Porto eram dois «miúdos»: Baía e um, hoje, desconhecido Luís Correia.

Quinito apostou em Baía, mas foi já com Artur Jorge que agarrou, de vez, o lugar, a partir da 25ª jornada. Terminou esse ano no onze e daí partiu para a história que se conhece. Houve, portanto, um pormenor importante: se o primeiro passo foi com ajuda de fatores específicos, depois o treinador não teve medo de arriscar.

«Não pode pensar que pode correr mal. Quando há uma aposta é porque as pessoas acreditam no valor da pessoa. É um risco calculado. Não vale a pena apostar se vai estar com medo de poder prejudicar a progressão de um jovem», alerta.

A estreia de Vítor Baía como sénior: 



Nesse âmbito, acredita que ainda há trabalho a ser feito em Portugal, nomeadamente. Na Liga portuguesa predominam guardiões estrangeiros e experientes. «É uma mentalidade que é preciso mudar. Esse paradigma tem de ser alterado e a verdade é que há equipas a trabalhar muito bem. Acredito que em cinco, seis anos a tendência será completamente invertida»
, projeta.

E explica porquê: «O mais importante é porque sei que há qualidade. Depois tem a ver com a evolução do treino e a evolução do trabalho dos treinadores de guarda-redes. É esse, também o objetivo da Federação com este projeto.»

Em setembro deste ano foi dado o primeiro passo. A convocatória da seleção sub-16 integrou o dobro do habitual número de guarda-redes. Seis em vez de três. «Queremos que seja uma prática comum nas seleções nacionais, por causa da partilha de metodologia. É um trabalho que estamos a levar, também, às Associações. Queremos passar a ideia que vale a pena apostar nos jovens. Este é o caminho», encerra.

André Moreira é o titular mais jovem da Liga

A Liga portuguesa não tem muitos guarda-redes no escalão sub-21 que sejam habituais titulares das suas equipas. Aliás, o estatuto de indiscutível pertence, unicamente, a André Moreira, do União da Madeira.

Aos 19 anos, o internacional sub-20 tem sido o habitual dono das redes da equipa de Norton de Matos, relegando para o banco o trintão (36) venezuelano Renny Vega.

Um caso singular, quando a aposta geral é dar espaço aos mais experientes, enquanto as promessas ficam no banco. É assim no Marítimo, onde José Sá, 22 anos, é o habitual suplente de Salin, com 31. Ou no Vitória de Setúbal, onde o alemão Lukas Raeder, de 21 anos, tem estado na sombra de Ricardo, de 33.

É verdade que, no Nacional, Rui Silva (21 anos) tem mais tempo de jogo do que Gottardi (30), mas foi o brasileiro que começou a época a titular e deixou a equipa após lesão.

Há ainda a registar a estreia, este sábado, de Miguel Silva (20 anos) no V. Guimarães. Uma opção de Sérgio Conceição que teve nota positiva no primeiro teste e que merecerá atenção nos próximos tempos.

Pouco espaço para jovens nas «Big-5»

Olhando para as cinco principais Ligas europeias, a aposta em guarda-redes jovens também não é muito alargada. O caso mais sintomático é o de Inglaterra. Jack Butland (Stoke City) é, aos 22 anos, o guardião mais novo da Premier League. Um campeonato onde há muito espaço para trintões como Petr Cech, Tim Howard, Gomes ou Shay Given, ou ainda o quarentão Mark Schwarzer que, aos 43 anos, é titular na Taça e habitual suplente de Kasper Schmeichel na Liga, pelo Leicester.

Note-se, ainda, o exemplo do West Bromwich. O guardião mais novo do plantel é o dinamarquês Lindegaard. Tem 31 anos.

O cenário é um pouco diferente em Espanha. O mais jovem titular da Liga é Pau Lopez, do Espanhol, com 20 anos. Há ainda outros bons exemplos. Desde logo Jan Oblak, dono da baliza do Atlético Madrid aos 22 anos, os mesmos de Aréola (Villarreal) ou Sergio Rico (Sevilha), embora neste último seja preciso considerar a lesão de Beto, que começou a época no onze.

Na Alemanha, não há qualquer guarda-redes com 21 anos ou menos entre os habituais titulares. Os mais jovens são Loris Karius, do Mainz, e Timo Horn, do Colónia, ambos na casa dos 22 anos. Leno, do Bayer Leverkusen, tem 23.

Depois há os tais casos extremos, em Itália e França. Gianliugi Donnarumma tem vindo a jogar no Milan aproveitando a lesão de Diego López, relegando o veterano Abbiati (38 anos) para o banco. Assim, destrona Nicola Leali, emprestado pela Juventus ao Frosinone, que, aos 22 anos, era o mais jovem titular da Série A.

Em França, contudo, a diferença entre Lafont para o segundo mais jovem é menor. O Troyes entregou a baliza a Paul Bernardoni, de 18 anos. Há ainda o caso do Nice, onde Mouez Hassan, de 20 anos, tem sido indiscutível.

As lendas constroem-se cedo


Buffon e Donnarumma: passagem de testemunho em Itália?

Lançar guarda-redes em idades madrugadoras pode ser um risco, mas também é certo que, se olharmos para grande parte das referências na posição nos últimos anos, no futebol europeu, quase todos começaram a construir o currículo bem cedo.

Veja-se Gianluigi Buffon. Unanimemente considerado um dos melhores guarda-redes italianos de sempre, começou a jogar no Parma de Nevio Scala com 17 anos. Foi num duelo com o Milan de Roberto Baggio e Weah. E manteve a baliza inviolável.

Iker Casillas, que agora defende as redes do FC Porto, também assumiu a baliza do Real Madrid com 18 anos, aproveitando uma lesão de Bodo Illgner. Olhando para os donos da baliza dos outros grandes de Portugal, vemos situação idêntica. Júlio César fez o primeiro jogo pelos seniores do Flamengo com 18 anos, embora só tenha agarrado o lugar aos 21. Rui Patrício foi aposta de Paulo Bento no Sporting com 18 anos. Um ano depois relegou Tiago para o banco.

Lá por fora há ainda Manuel Neuer, que para muitos é, hoje, o melhor do mundo, e começou a jogar no Schalke 04 aos 20 anos, por aposta de Mirko Slomka. Petr Cech tinha a mesma idade quando assinou pelo Rennes, de França, depois de ser lançado aos 18 anos no Chmel Blsany, da República Checa. Thibout Courtois fez ainda melhor: estreou-se no Genk com 16 anos e explodiu com 18. Aos 19 já estava no Atlético Madrid. E por falar nos «colchoneros», também pode ser lembrado o caso de David de Gea, que se estreou num jogo da Liga dos Campeões, no Dragão, com apenas 19 anos. Na altura, entrou para o lugar do lesionado…Roberto (esse mesmo).

Por fim, dois exemplos de guardiões que já deixaram os relvados mas foram referências incontornáveis ainda neste século. Oliver Kahn sobreviveu a uma goleada de 4-0 na estreia pelo Karlsruher, porque Winfried Schafer não desistiu dele: aos 21 agarrou o lugar, aproveitando uma lesão de Alexander Formulla. O holandês Edwin Van der Sar começou a jogar no Ajax com 20 anos, pelo mão de Leo Bennhakker. Também aproveitando o azar alheio, no caso de Stanley Menzo.