* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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Portugal e o Rio de Janeiro possuem laços fraternos. Cinco séculos de influência recíproca. Basta estar na zona Centro da cidade e identificar os monumentos de talha lusitana, estruturas que podiam pertencer a uma qualquer aldeia transmontana.

Ora, o maior especialista sobre a história portuguesa no Rio de Janeiro é Milton Teixeira. Historiador e provocador, epistolar e prosaico. O professor é capaz de se perder nos labirintos do pensamento e dar uma boa risada após uma interjeição maliciosa.

A conversa entre o Maisfutebol e o eminente pensador arranca com uma morte. Trágica. A morte do fundador oficial do Rio, o português Estácio de Sá, herói na batalha da Baía de Guanabara, 1567.

«Foi um Portugal-França feliz para as cores patrícias. Como na final do recente Europeu (risos)». A aqui vamos nós.

«Estácio de Sá, sobrinho do governador do Brasil, Mem de Sá, foi enviado para tratar dos franceses».

«É ele que desembarca entre o Morro Cara de Cão e o Pão de Açúcar a 1 de março de 1565, dois anos antes dessa batalha final».

Estácio desembarca de madrugada, sem os franceses se aperceberem, e formaliza a fundação do Rio de Janeiro «numa cerimónia rústica».  

«Ele edifica uma porta simbólica e entrega as chaves ao porteiro Francisco Dias Pinto, o primeiro funcionário público da cidade (risos)».

Durante quase dois anos, a resistência francesa associa-se aos povos indígenas. Estácio, o heroico capitão português, decide acabar com a insurreição a 5 de janeiro de 1567.

«Os portugueses fazem um ataque por mar e terra no Morro da Glória. Estácio de Sá triunfa, mas fica ferido com uma flecha envenenada. Eu até brinco com isso e digo que foi o primeiro a morrer na luta pela posse de um morro. Um mês depois acaba por falecer», conta Milton Teixeira, com o entusiasmo de quem não sabe como a narrativa acaba.

«Senhoras saíam prostitutas de Portugal e chegavam donzelas ao Rio»

A dada altura, as questões cessam. Milton Teixeira é um contador de histórias notáveis e salta de curiosidade em curiosidade. Uma manhã descansada para o jornalista.

«O primeiro nome do Corcovado foi Pináculo da Tentação. Na Bíblia é o local para onde é levado Cristo depois do batismo no rio Jordão. No Rio havia muitas índias nuas e os portugueses associaram a tentação bíblica à tentação de que sofriam aqui no Brasil», atira, olhar malandro.

Milton faz notar, de resto, que a esmagadora maioria dos portugueses intervenientes nessa ocupação do Brasil não eram «cidadãos de bem, recomendáveis».

«A maior parte dos soldados portugueses eram bandidos e assaltantes, fugidos da justiça do país. Por exemplo, o nome de Botafogo surge pela existência de um homem natural de Elvas, João Pereira de Sousa Botafogo».

«Ele acendia o fogo dos canhões portugueses e todos o tratavam por Botafogo. E aqui estamos nós, cinco séculos depois, em Botafogo. Fugiu de Portugal por não pagar as dívidas e no Brasil tornou-se juiz».

O professor tem uma atração óbvia pelo lado profano da história. «Muita gente veio refazer a vida no Rio. Algumas senhoras saíam prostitutas e chegavam donzelas. A viagem era longa (risos)».

E depois, na chegada ao Rio de Janeiro, como era a adaptação? Milton Teixeira elogia a «capacidade de trabalho anormal» dos portugueses, mormente a partir dos séculos XVIII e XIX.

«Os portugueses começavam quase sempre como escravos. Mas subiam na organização da lojinha, conquistavam a confiança do patrão e casavam com a filha dele. Há milhares de histórias dessas», exemplifica.

Para os Jogos Olímpicos, Milton Teixeira assume não saber o que esperar de Portugal. «Têm uma comitiva de 92 atletas? Bem, tenho certeza de uma coisa: se ganharem medalhas, os cariocas vão celebrar como se fossem nossas».