O Santos estava num beco sem saída.

A nostalgia dos tempos gloriosos não vencia jogos, muito menos conquistava títulos.

A imagem da despedida do rei Pelé ajoelhado a chorar convulsivamente na Vila Belmiro, a pedir perdão de braços abertos e com a bola parada à sua frente, já tinha adquirido contornos fantasmagóricos para lá dos mitológicos.

Era dia 2 de outubro de 1974, concluía-se uma ligação de 6662 dias e a magia fenecia. Os três anos que se seguiram foram penosos. O Peixe não só não ganhou nada como exibia um futebol sofrível que o afastava da luta pelos lugares cimeiros dos campeonatos nacionais e estaduais.

A esperança numa boa campanha no Brasileirão-78 resumia-se a ser ano de Copa, o que faria com que os grandes rivais não pudessem alinhar com as principais estrelas. Uma humilhação, já que o Santos não teria qualquer jogador no Mundial da Argentina. Nem sequer nos pré-convocados.

A primeira fase do campeonato, apesar da presença num grupo acessível, indiciava nova deceção. Os jogadores acumulavam problemas disciplinares e a fleuma da torcida estava consumida. O treinador Ramos Delgado, muito fragilizado, não se mostrou persuadido com uma proposta para reduzir o salário e Mengálvio, o eterno Pluto, foi chamado a comandar o time.

Enfim, chegávamos a 20 de abril de 1978, um dia chave na história do alvinegro. O Operário do Mato Grosso do Sul deslocava-se ao Pacaembu. Juary, o de Viena¿87, então com 18 anos, colocou o Santos em vantagem, mas a etapa complementar ficaria assinalada por uma surpreendente reviravolta no placar. As vaias converteram-se numa invasão de campo em direção ao banco santista e instalava-se o caos em forma de campo de batalha com os adeptos encolerizados a serem reprimidos pela Polícia Militar, extremamente expedita a empregar o cassetete.

Segundo reza a lenda, Chico Formiga, que havia dirigido a formação júnior, e Zito, vice-presidente do futebol profissional, duas referências do Santos vencedor, assistiram juntos ao prélio desde a arquibancada. Formiga, dias depois, seria apresentado como novo treinador do Peixe.

Estava dado o passo decisivo para o nascimento dos Meninos da Vila. Sem recursos financeiros para efetuar contratações, Zito propôs a solução: promover a molecada. Rubens Quintas, o presidente, abonou: «Traz eles para cima, Zito, que nós seguramos a bomba!». A inexperiência do elenco quase redundou em detonação, mas os moleques, mesmo sem grande fulgor, chegaram até à terceira fase, a que antecedia a derradeira em mata-mata, que consagrou o Guarani, orientado por Carlos Alberto Silva, onde resplendeceu o jovem Careca.

O 23.º lugar entre 74 concorrentes representa a segunda pior classificação de sempre da história do Peixe no Brasileiro. Enquanto o Brasil, mesmo tendo sido a única seleção sem derrotas, carpia ainda as mágoas do 3º lugar no Mundial-78, Formiga enclausurou os meninos na Vila e preparou, durante um mês, o Paulistão mais extenso da história.

O futebol moleque consagrar-se-ia em futebol discoteque.

Rui Malheiro é comentador do Futebol Brasil e especialista em futebol internacional