Sempre que passo por um youtube de Redondo fico a ver. Não guardo nos favoritos para mais tarde, e a não ser que o mundo esteja a acabar tenho mesmo que ver.

É verdade que ficaria entre a espada e a parede com outros, velhos companheiros do futebol da minha adolescência e início de idade adulta, mas entre tantos poucos serão tão redondos como o Fernando, passe o trocadilho fácil, que é tarde, e o discernimento já não é muito.  

Trinco foi felizmente expressão que se foi perdendo, de tão feia que é, embora aqui e ali ainda se ouça, mas seria luva demasiado pequena, que só se encaixaria na ponta dos dedos. Escrevo hoje sobre ele pelas poucas vezes que o fiz no passado, por me ter sido roubado, como outros génios do seu tempo, demasiado cedo. Ontem ou hoje, parei à frente de um youtube e senti que ficava a dever-lhe este texto. Que já pouco o ajuda.

Sim, Redondo era um génio, mas muitos recordam-no como um médio-defensivo. Talvez o melhor da história, sem que nunca o tenha sido. É que faz parte daquele lote de jogadores capazes de controlar um latifúndio, a partir de várias zonas da cancha e sem uma pinga de suor, com uma elegância de predestinado.

Tenho saudades desse 5. Ou melhor, sinto falta desse 6, que para os europeus acresce um número em relação aos argentinos. Só que nesse mesmo latifúndio era 8 e 10, e quase sempre o melhor em campo.

Paulo Sousa, embora com menos técnica e um pouco mais de geometria, é daqueles outros inesquecíveis, e também ele acabou cedo de mais.

Sempre que me falam de Redondo vêm-me à memória o dia em que destruiu como dominó a defesa do ManUnited, em Old Trafford, com um toque de calcanhar, mas foi tão mais que isso.

A cabeça levantada, o jeito de levar a bola quase apenas com o mindinho do pé esquerdo, o toque que distingue, para muitos de nós, entre aqueles, os craques, e os simples aspirantes. A qualidade de passe, o sentido posicional e saída em drible e em velocidade. Uma espécie de príncipe altivo das Pampas, que podia jogar com rendas nos pulsos que só lhe acentuariam a capacidade de liderança em campo.

Pior para Passarella que quis que cortasse o cabelo para jogar o Mundial 1998, o mesmo Passarella que jogava de farta cabeleira no tempo de jogador. Redondo ficou em casa, a Argentina caiu nos quartos por culpa de Bergkamp.

É certo que há Busquets, e o seu jogo posicional e inteligência. Matic, a força física e o pé esquerdo explosivo. Tantos outros que o antecederam e vieram depois. Só não voltou a haver um novo Redondo, e o futebol todos os dias o lamenta.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica, publicado na MFTOTAL. O autor usa grafia pré-acordo ortográfico.

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