Buenos dias, Matosinhos. Olha os aviões lá atrás.
 
Peço desculpa, mas sempre tive a ambição de começar um texto desta forma. Agora que o fiz, vamos ao que realmente nos traz aqui hoje: e o que nos traz aqui é uma história.
 
Valentino Mazzola foi o melhor jogador do Grande Torino, a fabulosa equipa que dominava o futebol até ser destroçada por um acidente de avião no regresso de Lisboa. A tragédia vitimou toda a gente. Até Mazzola, que estava com febre e não devia ter viajado.
 
Tinha 30 anos.
 
Para trás deixou uma carreira construída a pulso, que começou num teste descalço: quando servia na marinha, quis prestar provas no Veneza, o que fez com os pés nus para não estragar o único par de chuteiras que conseguira comprar.
 
Dentro de campo, dizem, foi do melhor que o futebol italiano já viu.
 
O presidente Ferruccio Novo chegou a dizer que ganhava o dobro dos colegas porque eles próprios queriam e um companheiro referiu um dia que Mazzola representava metade do Torino: o resto dos jogadores representava a outra metade.
 
Era o capitão da equipa e da seleção, um médio de enorme fulgor, rápido, que atacava e defendia. Para além disso tinha um gesto que mudava a equipa: quando as coisas não estavam a correr bem, arregaçava as mangas. Os companheiros percebiam que era uma espécie representação cénica, e a verdade é que a coisa funcionava.
 
Mazzola era no fundo um grande jogador, sim, mas também um líder e um homem inteligente, que utilizava aquele gesto para mexer no espírito dos companheiros.
 
Ao pensar nesta história não pude deixar de me lembrar do Chelsea.
 
Como não consigo deixar de me lembrar do Chelsea quando penso na história de Obdulio Varela, o capitão da seleção uruguaia no maracanazo: o homem que foi buscar a bola ao fundo da baliza, caminhou lentamente até ao centro do relvado e passou dois minutos a falar com o árbitro quando lá chegou.
 
Os adversários impacientaram-se, os 200 mil brasileiros nas bancadas enfureceram-se e o jogo nunca mais foi de festa. O Uruguai respirou primeiro, cresceu depois e provocou um escândalo no fim. Ganhou por 2-1 na vitória mais inesperada da história do futebol.
 
Valentino Mazzola e Obdulio Varela perceberam em meados do século passado o peso da capacidade mental num jogador. A verdade é que o futebol é, mais do que físico, técnico ou tático, um jogo mental: ninguém me mete na cabeça o contrário.
 
Claro que também é físico, técnico e mental, isso nem se discute.
 
Mas as equipas trabalham hoje a um nível muito profissional. Todas têm treinadores que aprenderam com os melhores. A diferença faz-se, por isso, através habilidade mental.
 
Nesse sentido o Chelsea está de rastos.
 
Uma sucessão de acasos infelizes empurrou a equipa para as fronteiras da angústia, e os jogadores convenceram-se que valem menos do que realmente valem. Por isso correm pior. Erram mais, cansam-se mais, sofrem mais e assustam-se mais.
 
Precisam de um Mazzola que arregace as mangas, de um Varela que agarre a bola debaixo do braço e deixe a tempestade passar.
 
Que esta necessidade aconteça numa equipa de Mourinho, isso sim é verdadeiramente imprevisível. Sinal dos tempos, porventura. Mas dê por onde der, a mudança só tem um lugar onde pode acontecer: na cabeça dos jogadores.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias