Um dos privilégios do verão é proporcionar as mais belas romarias: as romarias pela nossa saudade. Acontecem sempre nesta altura do ano.
Ora a minha última peregrinação foi pelo futebol da minha infância.
Nasci e cresci transmontano, longe dos grandes jogos, dos grandes estádios e dos grandes jogadores. A memória que tenho de criança é por isso dos campos dos distritais.
Os jogos da Torre, da pequena vila de Torre Dona Chama, onde o meu tio dava aulas e onde me levava, um domingo por outro, para ver a equipa local.
Para mim o futebol de verdade, sim, era aquilo.
Também havia os jogos de solteiros contra casados nas festas da aldeia. Tinha balizas a sério, de madeira, e não apenas duas pedras a fazer de conta. E tinha assistência, claro. Uma felicidade.
Para me calar, os solteiros deixavam-me ficar no banco, de onde do alto dos meus seis ou sete anos nunca saía, e a mim aquilo sabia-me a exibição de luxo: um golo de bicicleta, em final da Liga dos Campeões.
Era bom, sim, mas não se comparava aos jogos da Torre.
Um campo com barreiras de metal a toda a volta, camisolas que distinguiam as duas equipas e um balneário para os jogadores se vestirem. Nem precisavam de vir equipados de casa: um luxo.
Sonhava um dia estar naquele pelado e ter dezenas de pessoas a ver-me jogar.
Depois disso, muito depois disso, mudei-me para o Porto. Por influência de dois ou três amigos portistas, daqueles muito portistas, também eu troquei um dia ou outro de aulas pelos treinos do FC Porto nas Antas.
Era a época de Bobby Robson e de António Oliveira, de Jardel e de Domingos.
Foi o primeiro contacto que tive com os craques que via pela televisão e a primeira reação foi física: abri a boca de espanto.
Afinal de contas os craques eram tão humanos quanto eu. Chegavam de carro, passavam pelo meio dos adeptos, cumprimentavam toda a gente. «Bom dia» ou «boa tarde», atiravam-me. A mim, que seguramente não lhes seria nem sequer uma cara familiar.
Vi Secretário passar o que me pareceu uma tarde inteira a conversar com os reformados e vi Domingos parar o carro, para sair e cumprimentar com aperto de mão um adepto.
Era um tempo em que tudo se via e tudo se comentava.
Infelizmente parece que foi numa outra vida. Hoje os clubes estão atrás de altos muros brancos, com portões de ferro e seguranças à entrada. Até os autocarros da equipa têm os vidros fumados. Os jogadores estão escondidos atrás da vista, onde ficou o bastião de tantos anos de felicidade de crianças como eu.
O futebol moderno tem por isso esta agitação de sentimentos: por um lado invade-nos uma nostalgia comovente, por outro lado somos confortados pelo afeto da modernidade.
Sabemos enfim que os clubes não andam a brincar.
O que nos permite chegar a este desfecho singular: o futebol nunca foi tão bom, tão evoluído, tão ensaiado, tão sincronizado, tão belo e tão bem jogado por tão talentosos jogadores, e nós nunca vimos tão pouco dele.
Teria que ser mesmo assim?
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias
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25 set 2015, 10:16
Bateu-me uma nostalgia, mas prometo que isto passa
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