Há algumas coisas que me fazem sentir uma verdadeira frustração, mas nenhuma se aproxima da minha incapacidade crónica para soltar uma gargalhada conivente.

Uma gargalhada cúmplice. Comparsa. Parceira e sócia. Uma gargalhada porreiraça.

É um desgosto difícil de explicar.

Muitas vezes, num grupo de colegas, alguém solta uma piadola mais ou menos engraçada, eu quero mostrar que apreciei o esforço, que até tenho estima pela dedicação e que no fundo, bem lá no fundo, encontrei graça na gracinha.

Nessa altura sorrio.

Enquanto ao meu lado alguém solta uma gargalhada de homem, daquelas que incluem barulho, atiram a cabeça para trás e levantam os olhos ao céu, eu sorrio.

Mesmo quando me apetece rir o som sai abafado. Nem com muita boa vontade se pode considerar aquela experiência uma gargalhada. É na melhor das hipóteses um risinho.

Sinto-me um farrapo. Sinto que, enquanto público, não vou lá: estou arruinado.

Mas enfim, sigamos em frente para falar de coisas verdadeiramente importantes. E o que me traz hoje aqui é basicamente uma pergunta:

 - vamos continuar a fazer de conta que nada de grave se passou, é?

Vamos ser sérios, por uma vez: no momento em que este artigo se publica é madrugada de sexta-feira, portanto passou praticamente uma semana. A verdade, meus senhores, é que não vi uma linha que fosse sobre esta polémica.

Porque no fundo não há outra forma de colocar este episódio.

É polémico, e merece por isso ser trazido para a primeira linha de atualidade. Para além de uma discussão desportiva sobre esta questão - que é também ela urgente, sim, e já lá vamos - acho que se impõe uma discussão sociológica: o que faz um homem com 28 anos de idade e dez de carreira, capitão do Real Madrid em dezenas de ocasiões, com quase 400 jogos na liga espanhola e mais de cem internacionalizações reagir daquela forma?

Mas enfim, muito para além do aspeto sociológico, que deixo naturalmente para os sociólogos, importa-me destacar que aquele gesto traz de volta a discussão sobre o papel dos jogadores de futebol como ídolos de gerações. Sobretudo das mais novas.

Como Maradona disse um dia, a educação das crianças deve ser-lhes dada pelos pais: esses é que têm o dever de funcionar como modelos de comportamento.

Os jogadores devem ser apenas jogadores. Com todas as virtudes e todos os defeitos.

Por aí concordo, sim senhor. Mas isso é uma coisa. O que se passou no sábado no Santiago Bernabéu é outra. Mais do que não poder ser tomado como um modelo de exemplo, é um gesto áspero, duro, rude. É desagradável. Chega a ser indecente. É revoltante e repelente.

É acima de tudo uma agressão à memória do futebol: de pessoas como Brian Clough, Maradona e Paulinho Santos. Homens na verdadeira extensão da palavra: que usavam pêlos no corpo, davam murros no ar e às vezes na cara.

Homens enfim que não não davam beijinhos, e nunca, mas mesmo nunca sopravam: a não ser no balão e para acusar 1,9 gramas por litro de álcool no sangue.



«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias