De maneiras que é isto, não é?
 
Por isso o melhor é seguirmos em frente para discutir uma questão urgente no quadro da atualidade nacional: a utilização cada vez com mais intensidade da expressão «diz o roto ao nu», perante um total e completo ostracismo do «diz o roto ao esfarrapado».
 
Desde já sinto-me obrigado a fazer uma declaração de interesses: cresci a ouvir dizer «diz o roto ao esfarrapado». Por isso, admito, tenho por esta expressão um carinho que não tenho pela primeira. Mas vou tentar ser o mais imparcial possível.
 
Era comum para mim, na escola, e até na faculdade, ouvir comentários lúcidos e eruditos do género «ah, e tal, onde compraste essa camisola não havia para homem?».
 
O normal, nestas circunstâncias, era o outro responder «diz o roto ao esfarrapado». Nos últimos anos, porém, cada vez mais ouço dizer «diz o roto ao nu».
 
A verdade, caríssimos, é que se o roto diz ao nu, diz muito bem: não há aqui notícia.
 
Por muito roto que o roto esteja, e atenção, não duvido que esteja mesmo muito roto, está seguramente mais tapadinho do que o nu. Em determinadas tribos na Micronésia o roto andaria até praticamente vestido. Portanto se pergunta ao nu por que não se veste, pergunta com total legitimidade: está numa posição superior para o fazer.
 
Já qualquer coisa que o roto diga ao esfarrapado, isso sim é ridículo, despropositado e insensato. Afinal de contas os dois têm exatamente os mesmo defeitos: a roupa rasgada.
 
No fundo, e desculpem a frontalidade, o roto que seja um homenzinho, que meta a viola no saco e vá pregar para outra freguesia.: está só a fazer-nos perder tempo.
 
Basicamente, e desculpem outra vez a frontalidade, é o que sinto em relação aos críticos de Marco Silva. São no fundo rotos a falar do esfarrapado.
 
Se falassem do nu, aí sim, aceitava: sempre tinham um pedacinho mais de tecido, por muito pouco que fosse. Mas não é o caso, de todo.
 
O Sporting, lembrem-se, gastou em contratações um quarto que gastou o FC Porto e menos de metade do que gastou o Benfica. Marco Silva, por outro lado, tem um plantel que custa todos os meses um terço do que custa o plantel do FC Porto e metade do que custa o do Benfica.
 
Às vezes parece que as pessoas se esquecem disso.
 
Se calhar é por isso que o Sporting contratou dez reforços, e só dois é que entraram na equipa: Paulo Oliveira e Ewerton. Nani não deve entrar, por uma questão de seriedade intelectual - agora parecia mesmo um comentador desportivo, até me arrepiei - nestas contas.
 
Apesar de todos estes constrangimentos, Marco Silva apurou a equipa para a final da Taça de Portugal. Só não a colocou nos oitavos de final da Liga dos Campeões por um erro grosseiro dos árbitros e foi eliminado da Liga Europa pelo mais forte candidato ao troféu.
 
Vai mantendo a equipa no terceiro lugar da Liga, o lugar que lhe compete: nem acima nem abaixo do que seria de esperar.
 
É verdade que no campeonato não está a ter o registo de Leonardo Jardim, mas o calendário deste Sporting tem restrições que na época passada não teve.
 
Para além disso está na final do Jamor e pode dar ao Sporting o que Leonardo Jardim não deu: nem nenhum dos outros treinadores das últimas seis épocas. Um título.
 
Fez também grandes jogos, sobretudo nos clássicos e nos derbies com os rivais, e na Liga dos Campeões com o Schalke.
 
Não fez uma época perfeita, claro que não. Nem isso existe. Mas Marco Silva é apenas um treinador jovem, em início de carreira. Que está a ter a primeira época num grande. Como todos nós, vai seguramente melhorar com a experiência.
 
Mas fez mais.
 
Valorizou por exemplo Cedric, Paulo Oliveira, Tobias, João Mário e Carrillo: todos eles cresceram com Marco Silva e são agora jogadores muito mais convincentes. O salto de João Mário é aliás sintomático do trabalho do treinador: um treinador que valoriza ativos.
 
E isso é o mais importante num treinador: valorizar ativos. Tornar os jogadores melhores, as equipas melhores e os sonhos maiores.
 
Ninguém pode dizer que Marco Silva não o fez no Sporting.
 
Por isso, e quando falam do treinador, é bom que os sportinguistas críticos tenham a noção que não estão a falar de um nu: estão a falar de um esfarrapado como eles, que pegou em todos os pedacinhos de tecido para tornar o Sporting o mais elegante possível.
 
Não nos façam perder tempo, portanto.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias