Formou a geração de ouro do futebol português e nunca deixou de pensar a formação em Portugal. Em entrevista ao Maisfutebol e à TVI, Carlos Queiroz diz que é preciso reformular outra vez a formação de jogadores. Como? Criando o que ele chama um grupo restrito de elite e limitando o número de estrangeiros nas equipas B. Até porque não se pode contar com as equipas principais dos clubes grandes para apostar na formação em Portugal.

Como é que tem visto a aposta na formação?
Hoje no mundo existem dois tipos de países: os países em que os jogadores são preparados nos clubes e se exprimem nas seleções, países de primeira linha como Espanha, França, Alemanha, e depois existem os países em que os jogadores têm de ser preparados internamente nas seleções para se exprimirem internacionalmente. Nestes últimos as seleções têm de ser a máquina que arrasta a carruagem.

Em qual grupo está Portugal?
Quando eu cheguei em 1982, a seleção tinha de ser o vetor, o polo de desenvolvimento do futebol português. Nós tínhamos trinta jogadores num clube que trabalhavam a formação com duas bolas. Um clube onde trabalhei e que produziu dois melhores jogadores do mundo trabalhava num campo pelado em que a equipa de juniores só tinha vinte minutos para treinar no campo todo, porque no resto do tempo partilhava o campo com juvenis e iniciados. 

Mas as coisas mudaram, é isso?
As coisas mudaram. Basicamente a formação hoje está entregue, e é bem feita, ao nível dos clubes. A Federação deve apresentar-se como um complemento de uma elite.

E isso está a ser bem feito?
Os americanos dizem que de muitos, surge um. De 30 milhões de praticantes chegam 300 a profissionais e um torna-se um Michael Jordan. Portanto quanto maior for a base da espiral, maior a probabilidade de fazer um topo de excelência. Por isso é preciso compreender que hoje o papel da Federação tem a ver com os índices de qualidade que deve emprestar a este grupo restrito de elite. É aqui que o trabalho se deve centrar. No meu tempo tivemos de apostar num programa de aumento de praticantes, hoje esse problema não existe. 

 

Como é que isso muda a formação na atualidade?
A Federação tem de fazer um programa de necessidades a curto, médio e longo prazo. Tem de haver alguém que pensando o presente, possa lançar o futuro. «Nesta estrutura de guarda-redes, defesas, médios e avançados, quantos são do escalão de 19 a 22 anos, dos 22 aos 28 anos e dos 28 aos 33? E estes acabam quando? Em que posições vamos ter problemas? Quantos na seleção de olímpicos, de sub-19 e de sub-17 devem fazer parte de um programa específico para a dois anos ou a três anos entrarem na base, para os da base subirem ao topo?» Isto precisa de continuidade, de sistematização e sobretudo de tempo. Ao fim de três ou quatro anos, com alterações progressivas, a formação e a renovação acontece.

Mas esse projeto não choca no facto dos clubes grandes não apostarem nos jovens portugueses, e recordo que recentemente o FC Porto jogou na Liga dos Campeões sem nenhum português...?
Naturalmente tem de haver um programa de desenvolvimento e apoio dos jogadores de elite em Portugal. Clubes como o FC Porto e o Benfica projetam a sua vida tendo em conta exclusivamente os seus interesses: não vai passar muito tempo até que seja criada uma liga europeia e o campeonato nacional será pequenino de mais para eles. Eles têm de responder às exigências da competição europeia. Quem tem que zelar pelo futuro do futebol português não é o FC Porto ou o Benfica: é a Federação.

Isso faz-se regulamentando por exemplo o número de estrangeiros?
Podem criar-se as regulamentações que se quiser, mas quando chegar a competição internacional são as normais europeias que valem. Isto não impede é que haja políticas e programas de desenvolvimento. As coisas mudaram. Quando eu era mais novo e queria ver os melhores jogadores portugueses juntos, vinha aqui ao Jamor ver a seleção nacional. Hoje o Real Madrid e o Manchester United jogam todas as semanas com os melhores jogadores do mundo! Seleções do mundo, verdadeiramente. Então eu vejo um all-star FIFA no Real Madrid, no Chelsea, no Arsenal, e depois a seguir dão-me um Portugal-Arménia? E dizem-me que isto é que o jogo nacional?

Onde quer chegar?
Os clubes grandes, a nível da equipa principal, cada vez mais autonomizam-se relativamente às suas decisões. São uma coisa à parte. Então o que sobra? A Federação é que tem de criar políticas e regras. Se eu comparticipo uma competição de equipas B, tenho de ter autoridade e visão para dizer que aqui não jogam estrangeiros. Ou só joga um, ou só jogam dois. Porque este campeonato português foi criado para que os jovens portugueses possam evoluir.