Carlos Queiroz deu uma entrevista ao Maisfutebol e à TVI na qual abordou a relação com Cristiano Ronaldo e deixou um conselho a quem quer ser selecionador nacional: no futebol europeu, só com um estômago de cimento. Caso contrário acaba a beber ou a atirar-se da ponte.

Carlos Queiroz, José Mourinho, Paulo Bento, por que é que os treinadores portugueses quando saem de um projeto não trazem palavras elogiosas para Ronaldo?
Eu não me enquadro nessa observação genérica. Pelo contrário: tenho exprimido em todas as minhas intervenções o muito que vivi com o Cristiano ao longo de seis anos. Isto não tem nada a ver com um ou outro incidente, que por vezes pode sobrepor-se a muitas coisas boas que se dizem.

Mas houve incidentes...
Não escondo que os dois incidentes que se passaram na África do Sul não deviam ter acontecido e não eram aquilo que eu esperava de um capitão de equipa. Mas todos temos os nossos momentos bons e menos bons, e esse não foi um momento bom. O que diferencia as pessoas é como saímos dos erros. Eu julgo que ficou muito contar sobre a história da África do Sul... Mas ao que se passou na África do Sul sobrepôs-se o incidente do controlo antidoping, um incidente que foi politicamente manipulado pelo Governo da altura e que criou um vilão: Carlos Queiroz.

Foi um vilão?
O selecionador só tem um dia feliz, que é o dia em que assina contrato. O selecionador não tem uma base social de apoio como tem o treinador do Benfica ou do Sporting. Os portistas podem dizer mal do treinador do FC Porto, mas se um benfiquista diz mal do treinador do FC Porto, aqui d’el rei... O selecionador é o homem contra o país e o país contra o homem. Quando as coisas correm mal, nem FC Porto, nem Benfica, ninguém se quer meter: é um problema do selecionador e do país.


Arrependeu-se de ter vindo para a seleção?
Não, de maneira nenhuma. O que não quer dizer que tenha sido uma boa decisão deixar o Manchester United. É como alguns jogos, em que depois de acabados pensamos que devíamos ter feito jogar A ou B, que numa decisão não estivemos bem e no futuro vamos decidir melhor. Mas sinto-me muito feliz e considero que foi uma decisão bem feita nas circunstâncias em que a tomei. Agora, passados estes anos, acho que no futebol, e na vida talvez, voltar a um sítio onde já estivemos não é uma boa decisão.

Aconselha todos os treinadores a pensar duas vezes antes de aceitar uma proposta da Federação?
Só há um sítio no mundo que dá o direito de não pensar, em que primeiro se decide e depois se pensa: o Real Madrid. Em todos os outros há a obrigação de pensar duas ou três vezes antes de decidir.

Saudades de treinar um clube?
Claro, claro. Foi muito difícil para mim, que estava habituado a jogar 60, 65, 70 jogos por ano, e de repente jogar oito ou nove jogos por ano. O trabalho de um selecionador nacional na Europa, quando eu voltei, já não era o mesmo quando comparado com a primeira passagem. Na primeira vez nunca sentia falta do terreno, porque intervinha até com outras equipas e outros jogadores. Quando voltei, na Europa, já não havia selecionadores nacionais, havia mágicos.

Como assim?
Tínhamos a equipa cinco dias, e não eram cinco dias para treinar: eram para fazer magia. É um dia para fazer banho e massagens, um dia para comer bem, sem tocar na tábua de queijos do diretor, um dia para descansar e um dia para jogar. Aquele papel não casava bem comigo. Hoje em dia, ser selecionador na Europa, requer uma virtude muito grande: é preciso ter um estômago de cimento.

Porquê?
Porque fazemos um jogo como eu fiz com o Brasil em novembro e o próximo é em março. Digerir a pancada, como a que recebemos nesse jogo, durante cinco meses, só com um estômago de cimento. Se não for assim, ou nos dedicamos à bebida ou nos atiramos da ponte abaixo para o Tejo.