Resignada e sem espaço para surpresas. Com o aproximar do fim da caminhada para o Euro 2016, o ambiente que parece vir do reino da Dinamarca é de descrença. O playoff está garantido e, acredita-se, será por aí o destino da seleção de Morten Olsen.

Pelo menos a julgar pelas opiniões que escutámos. Ambas de referências do futebol local: Kim Vilfort e Daniel Jensen. O primeiro foi um dos heróis do Euro 92, autor, inclusive, de um dos golos da final frente à Alemanha. O segundo, é certo, nunca foi campeão da Europa, mas também marcou um golo que, não sento tão relevante na história do país, torna-se importante para este embate específico: deu à Dinamarca a única vitória em solo português, numa estranha noite em Alvalade com o Portugal de Queiroz.

«Foi um jogo fantástico, ficou-me marcado na memória. Estivemos a perder duas vezes e conseguimos ganhar. Foi a única vez que a Dinamarca ganhou em Portugal. Vinha mesmo a calhar repetir agora», brinca Daniel Jensen, em conversa com o Maisfutebol.

Mas a verdade é que o médio, que aos 36 anos ainda joga no Lyngby do seu país, acha complicado que o feito possa ser repetido. «Vai ser muito difícil, especialmente porque a Dinamarca sabe que precisa dos três pontos e, mesmo assim, pode não chegar. Aliás, devem fazer uma de duas coisas: dar tudo para ganhar e ficar a torcer por fora ou ir a Portugal aproveitar o jogo e preparar-se já para o playoff».

O jogo de Braga será o último da Dinamarca, que tem 12 pontos, menos três que Portugal e mais um do que a Albânia. O problema (extra) é que portugueses e albaneses ainda têm outro jogo. As contas dinamarquesas são difíceis por isso.

Kim Vilfort assume isso mesmo, também em declarações ao nosso jornal: «É difícil conseguir o apuramento direto. Para isso tínhamos de ganhar em Portugal e isso seria uma grande surpresa. O mais provável é que não ganhemos e a Albânia tem dois jogos, um deles em casa, e é provável que possa ganhar.»

«Vai ser um jogo difícil para a Dinamarca», suspira o herói de 92. « Diria que já seria bom um empate, até porque é um resultado que serve a Portugal e pode deixá-los também satisfeitos. Para nós, mesmo dificultando o apuramento direto, não era mau, pelo resultado em si. A jogar fora a nossa equipa não é muito boa
», lamenta.

E ainda acrescenta: «Perder por um ou dois, num resultado normal, também não era uma catástrofe, porque, pelo menos, não abalava a moral da equipa para o playoff.»


A festa dinamarquesa no Euro 92

«Em Copenhaga, um ponto já teria sido muito para Portugal...»

Como se disse, só por uma vez, no tal jogo a caminho do Mundial 2010, a Dinamarca venceu em Portugal. Mas de lá para cá já se realizaram mais cinco jogos e só por uma vez Portugal perdeu (2-1, em Copenhaga, a caminho do Euro 2012). Venceu três vezes, uma no Europeu da Polónia e Ucrânia, e outra nesta fase de apuramento, em novo jogo na capital do país rival.

Um jogo que serviu de estreia a Fernando Santos e que foi «traumático» para a Dinamarca. «Portugal teve muita sorte», comenta Kim Vilfort. «Levaram três pontos quando um ponto já era muito bom. Pode ser uma das chaves do apuramento. Abalou a confiança da nossa equipa e fortaleceu a de Portugal», acrescenta.

Daniel Jensen acredita, até, que Braga pode ser palco de uma «vingança». «Se aguentarem o 0-0 até perto do fim, acho que deveriam arriscar tudo para conseguir a vitória e vingar aquele jogo», projeta o médio.


Daniel Jensen em luta com Deco no jogo de 2008, em Alvalade

E acrescenta: «Os últimos dois jogos da Dinamarca tiraram muita confiança à equipa e ao país. Nesta altura é impossível saber o que esperar do jogo. Se perguntar aqui às pessoas na Dinamarca vão-lhe dizer quase todas que vamos perder. O sentimento é esse. Mas há sempre aquela esperança que desta vez as coisas corram bem, até porque temos jogadores que podem fazer a diferença.»

Pedimos exemplos e Jensen apontou dois. Cristian Eriksen, médio do Tottenham, é «uma grande esperança» do país. «Vem de uma lesão, ainda não sabemos muito bem como está, mas é um jogador que pode fazer a diferença. Até num livre»
, frisa. E também Bendtner «se tiver bola e melhorar a autoconfiança». O avançado do Wolfsburgo até costuma marcar a Portugal: cinco golos nos últimos seis confrontos.

HISTÓRICO PORTUGAL-DINAMARCA

1966: Dinamarca-Portugal, 1-3 (Amigável)
1970: Dinamarca-Portugal, 0-1 (Apuramento Euro 72)
1971: Portugal-Dinamarca, 5-0 (Apuramento Euro 72)



1976: Portugal-Dinamarca, 1-0 (Apuramento Mundial 78)
1977: Dinamarca-Portugal, 2-4 (Apuramento Mundial 78)



1995: Portugal-Dinamarca, 1-0 (Amigável)
1996: Dinamarca-Portugal, 1-1 (Euro 96)
2000: Portugal-Dinamarca, 2-1 (Amigável)
2006: Dinamarca-Portugal, 4-2 (Amigável)
2008: Portugal-Dinamarca, 2-3 (Apuramento Mundial 2010)



2009: Dinamarca-Portugal, 1-1 (Apuramento Mundial 2010)
2010: Portugal-Dinamarca, 3-1 (Apuramento Euro 2012)
2011: Dinamarca-Portugal, 2-1 (Apuramento Euro 2012)
2012: Dinamarca-Portugal, 2-3 (Euro 2012)



2014: Dinamarca-Portugal, 0-1 (Apuramento Euro 2016)

«Portugal não é do top-5 europeu»

Daniel Jenson e Kim Vilfort não escondem o respeito por Portugal mas salientam que o momento atual da seleção nacional não é fulgurante nem assustador. É bom, exige respeito, mas nada mais.

«Portugal é uma equipa que alterna sempre bons resultados com outros desapontantes. Tiveram alguns no início desta campanha, não é? Tiveram sorte que as outras equipas foram perdendo pontos…», diz Jensen.

Vilfort completa a ideia: «Portugal está a mudar. Estão a aparecer outros jogadores e esse processo leva o seu tempo. Portugal tem sorte de ter um jogador como Ronaldo que disfarça alguns problemas nessa fase. Como Portugal não é um país muito grande, quando é preciso mudar a equipa é sempre um problema. Acontece em vários outros países com uma base de recrutamento reduzida.»

Ainda assim, para ambos, é com naturalidade que vêm Portugal estar tão perto do Europeu.

Daniel Jensen diz mesmo que «Portugal tem de estar no Euro». «É uma equipa de classe mundial e muito respeitada aqui e no resto da Europa. Ainda por cima agora com dois lugares de apuramentos direto. Tem de ir…», insiste.

No torneio de França, contudo, a confiança dinamarquesa em Portugal não é tão saliente. Daniel Jensen é taxativo: «Não me parece, nesta altura, uma equipa de top-5 da Europa. Será sempre um outsider no Euro».



1996 (June 9) Denmark 1-Portugal 1 (European... por sp1873
Portugal-Dinamarca no Euro 96


Kim Vilfort toca num ponto sensível: «Depende de Ronaldo». «Isso não é necessariamente mau, claro, tendo em conta o jogador que estamos a falar. Mas creio que é uma equipa, hoje, mais dependente do Ronaldo do que há cinco ou seis anos, quando tinha muitos outros jogadores de qualidade. E Ronaldo também não está a ficar novo…», alerta.

Ainda assim, é sempre bom ter um olho na seleção portuguesa, dizem ambos. Jensen não tem a experiência de sucesso de Vilfort mas, com presenças no Euro 2004 e Mundiais da Alemanha e África do Sul, sabe que são torneios à parte: «Depois de começar tudo pode acontecer. Portugal pode ganhar a qualquer equipa se, naquele mês, formar um bom grupo. É uma competição curta, tudo é diferente.»

Voltando ao jogo de Braga, e para fim de conversa, Jensen e Vilfort deram umas luzes sobre o que teria de fazer a Dinamarca para ter sucesso.

Para Daniel Jensen há uma missão obrigatória: parar Ronaldo. «Ele muda a equipa. Se está bem é uma coisa, se não está tão bem é outra. Acho que a Dinamarca tem duas formas possíveis para atuar: ou para o Ronaldo ou para os que lhe fazem chegar a bola. A melhor forma? Talvez seja melhor focarem-se na equipa de Portugal e depois torcer para o Ronaldo não estar numa das noites dele…», explica.

Vilfort, por seu turno, acredita no potencial do seu país a defender. «É o nosso ponto forte», sublinha.

«A Dinamarca vai entrar em campo preparada para jogar para o empate. Esta não é, de longe, a melhor seleção dos últimos anos, mas continua a ser competente neste ponto. Tem um problema: tem dificuldades quando tem de ter a bola. E não acredito que vão ter muita bola contra Portugal, por isso pode correr bem se a defesa estiver bem»,
remata.

Recorde a final do Euro 92, com golo de Kim Vilfort: