Sporting. Manchester City. Xandão.

Manchester City. Sporting. Xandão.

Xandão. Calcanhar. Sporting. Manchester City.

Por mais voltas que se dê, há coisas que não se conseguem dissociar.

E se há um jogo entre o Sporting e o Manchester City em perspetiva, o nome de Xandão vem imediatamente à cabeça.

É impossível contrariar.

Afinal, aquele golo de calcanhar apontado ao Manchester City nos oitavos de final da Liga Europa da época 2011-2012, seria decisivo para eliminar um adversário que já na altura era claramente favorito.

O cenário é semelhante para esta terça-feira. O Sporting recebe o Manchester City em Alvalade, agora para os oitavos de final da Liga dos Campeões, e poucos acreditam que o campeão inglês não sairá vencedor.

Mas… «Se alguma casa de apostas dissesse que o Xandão ia marcar de calcanhar ao Manchester City, ninguém apostaria».

É o próprio brasileiro, agora com 33 anos e sem clube há dois anos, que lança o alerta. Há dez anos também ninguém diria que o Sporting podia vencer e depois eliminar a equipa inglesa.

E isso aconteceu. E tornou-se no momento mais marcante da carreira de Xandão, como revela o próprio numa entrevista ao Maisfutebol, poucas horas depois de aterrar em Lisboa para tentar ser «talismã» do Sporting.

Sabia que aquele golo começou dias antes, num gesto de Sá Pinto que Xandão nunca esquecerá? Ele explica.

Maisfutebol: Quantas vezes já reviu aquele golo ao Manchester City?

Xandão: [risos] Desde que o Sporting calhou com o Manchester City no sorteio, há dois meses, tenho visto o golo com muita frequência. Porque os adeptos identificaram-me no Instagram com esse golo, por isso ele está bem fresquinho. Passei uma altura sem o ver, mas agora tenho visto quase todos os dias.

MF: Dá para descrevê-lo de cabeça?

Xandão: Claro, sem dúvida. Estávamos no minuto 51. Tivemos um livre que o Matías Fernández se preparava para bater e eu posicionei-me de forma a correr em direção ao Hart. Eu sabia que se não fosse golo, pelo menos, a bola para ia à baliza. Percebi que marcação não estava a ser homem a homem, mas sim à zona, por isso tive espaço para me antecipar ao defesa. Quando o Matí bateu, visualizei na minha cabeça que o Hart ia soltar a bola e que ela ia sobrar para mim. Sobrou, o Hart ainda conseguiu bloquear a minha primeira tentativa e deixou-me de costas para a baliza.

MF: A introdução para a magia…

Xandão: Aí, eu tinha duas hipóteses, dominar e tentar rodar; ou fazer o que fiz. Acho que a primeira hipótese era quase impossível sair algo positivo, porque o jogo é frações de segundos, e se tivesse sequer pensado, o remate teria sido bloqueado. Por isso, a alternativa foi tentar o calcanhar e fui muito feliz. Foi um golo épico. Dez anos depois, continua a fazer-se barulho com esse golo. É incrível. Ganhámos 1-0 naquele jogo e isso teve peso muito grande na segunda mão, quando perdemos 3-2.

MF: Alguma vez pensou que um remate de recurso pudesse ficar tão famoso?

Xandão: Acredito que o facto de eu ser central também pesou muito nessa questão. Se fosse um avançado ou um extremo, seria mais comum. Se houvesse uma casa de apostas que dissesse que o Xandão marcaria um golo de calcanhar contra o Manchester City, ninguém teria apostar nisso.

MF: Que lugar guarda no currículo para a medalha de ‘herói’ do Sporting nessa eliminatória?

Xandão: Tem um peso muito grande. Não só pelo golo em si, mas também pelo adversário e pela camisola que estava a vestir. Tudo isso tem um peso muito grande na minha carreira. Foi o golo mais especial da minha carreira. Nem me recordo de outro golo que tenha marcado que tenha tido tanto impacto como esse.

MF: Para os adeptos portugueses, aquele golo é o momento mais memorável da sua carreira. Para si tem esse peso também?

Xandão: Nos últimos anos consegui ganhar os meus primeiros títulos como profissional. Mas não foram títulos assim tão relevantes. Fui campeão da II divisão de Bélgica em 2018 [pelo Cercle Brugge]; e do torneio do interior do Campeonato Paulista pelo Red Bull Brasil. Ou seja, não foram títulos de grande expressão para marcar na minha carreira. Por isso, em termos de reconhecimento, esse golo foi o momento mais épico da minha carreira.

MF: Quando se fala desses jogos com o Man. City, fala-se do calcanhar. Mas na defesa, teve de travar Aguero, Balotelli, Dzeko…

Xandão: Sim. Foi mesmo um desfaio muito grande. Foi o maior desafio da minha carreira: defrontar o Manchester City com aquela grande equipa. E defender era a minha primeira função. Se tivéssemos terminado o jogo 0-0, eu ia ficar muito feliz. Tive uma atuação muito segura em termos defensivos, juntamente com toda a defesa e o Rui Patrício a fazer milagres. Cumpri o meu papel muito bem e depois o golo foi a cereja no topo do bolo. O que a coroou como a melhor exibição da minha carreira em termos de reconhecimento. Também porque defrontei e tive de marcar adversários de altíssimo nível e dei conta, ajudando o Sporting a não sofrer golos.

MF: Foi mais difícil marcar de calcanhar ou defender aquela frente de ataque?

Xandão: O lance do calcanhar foi uma casualidade. Aconteceu tudo de forma perfeita para eu ter aquela reação. Mas a defender, foram 180 minutos muito, muito duros. Defender aqueles jogadores foi muito mais difícil.

MF: Qual dos três avançados foi o mais difícil de marcar: Aguero, Dzeko ou Balotelli?

Xandão: O Aguero e o Dzeko incomodaram muito. O Dzeko é um jogador alto, forte e usa muito bem o corpo. Isso prejudicava o meu jogo porque eu sempre tentei jogar na antecipação. O Aguero por ser forte, rápido e habilidoso, também impôs muitas dificuldades. Mas nada que eu não esperasse. Ia preparado para os anular e impedir que tivessem espaço para faze o jogo deles. Em Manchester, o Aguero fez a diferença, quando estava 2-0 para nós. Ele marcou dois golos e quase perdemos aquela eliminatória. Felizmente, graças a um milagre do Rui Patrício no fim do jogo, conseguimos passar. Estávamos iluminados por São Rui Patrício, mas por muito pouco não eram eles que acabavam a celebrar e nós a chorar.

MF: Já é a segunda vez nesta conversa que fala em milagres do Rui Patrício. Foi o guarda-redes mais milagreiro com quem jogou?

Xandão: [risos] Acho que sim. Também joguei com o Rogério Ceni no São Paulo, que é um ícone e um ídolo. Mas estando dentro do campo a presenciar defesas milagrosas, o Rui Patrício foi o melhor. Havia bolas que nem nós defesas acreditávamos que ele pudesse chegar, mas lá estava ele a defender. E foi um herói nessas eliminatórias para chegarmos às meias-finais daquela Liga Europa.

MF: Também na altura, o Manchester City era superfavorito. Como foram preparados os jogos?

Xandão: Nesse tipo de jogos, acho que preparação mental é muito importante. Lembro-me que no jogo anterior, frente ao V. Setúbal, perdemos 1-0 com uma falha minha. Aquele lance e o resultado colocaram-me em baixo. Achei que aquilo me ia custar a titularidade contra o Man. City, que era o jogo da minha vida e no qual já pensava há muito tempo. Mas o mister Sá Pinto foi muito assertivo na reação a esse erro.

MF: O que fez ele?

Xandão: Reuniu-nos na Academia no dia seguinte ao jogo e disse à frente de todos que confiava no meu futebol, e anunciou que eu era o primeiro a garantir a titularidade no jogo com o Manchester City. Foi um gesto de extrema importância para me preparar para o jogo. Se não tivesse tido aquele feedback, ia ficar a semana toda a culpar-me por aquela derrota. Por isso, foi muito importante aquele apoio. Assim, ele tirou de mim tudo do melhor. E resultou de forma positiva.

MF: No momento do golo esse gesto do treinador veio-lhe à memória?

Xandão: Sim. Logo após o golo, corri em direção ao banco, fui envolvido pelos suplentes, mas a minha intenção era chegar ao mister Sá Pinto para agradecer-lhe. Só que a comemoração foi uma loucura, uma coisa muito explosiva e emocionante com os companheiros e depois já não me lembrei mais. Voltei para o meu lugar na defesa, mas a ideia era abraçar o mister Sá Pinto.

MF: Quando viu que o Sporting tinha sido sorteado com o Manchester City deciciu logo que tinha de vir ver o jogo?

Xandão: Eu não estava a acompanhar o sorteio em direto, mas comecei a receber muitas mensagens de adeptos do Sporting e logo em seguida começaram a pedir para eu estar presente no jogo como talismã. A partir daí, comecei a ponderar e a analisar essa possiblidade. Fui planeando e organizando tudo e vai ser muito especial voltar a Alvalade como adepto, dez anos depois. Vai ser muito emocionante relembrar tudo o que vivemos naquela semana de 2012.

MF: E vai ficar no meio do público, não é?

Xandão: Eu comprei bilhete para ver o jogo com os meus amigos portugueses, mas acabei de receber um convite para ver no camarote e entrar na emissão da Sporting TV. Estou a analisar porque não queria deixar os meus amigos na bancada. Porque estar ali sentado na bancada como um adepto também seria muito fixe. Estou a analisar tudo com carinho.

MF: O que acha que vai acontecer no jogo?

Xandão: É difícil arriscar. Mas não vim do Brasil sem acreditar que o Sporting pode voltar a vencer o Manchester City. Por isso, vou a arriscar um novo 1-0.

MF: E quem marca?

Xandão: O óbvio seria eu eleger algum jogador do ataque. Mas vou fazer como na minha época, quando ninguém imaginava que fosse um centra a marcar, vou apostar no Coates.

MF: Mas toda a gente espera sempre que o Coates marque…

Xandão: [gargalhada] É verdade, não vai ser tão surpreendente. Mas a minha aposta é que será o Coates a marcar.

MF: Ainda foi adversário de Ruben Amorim em Portugal. Lembra-se dele como jogador?

Xandão: Não, não me recordo dele. Em que clube é que ele estava?

MF: No Sp. Braga.

Xandão: Não me recordo. Joguei algumas vezes contra o Sp. Braga e lembro-me muito do Mossoró, mas não me recordo do Ruben Amorim como jogador.

MF: Está a surpreendê-lo aquilo que tem feito como treinador?

Xandão: Agora já não surpreende, mas o que fez na época passada foi incrível. Agora já mostrou toda a capacidade que tem e já não foi uma surpresa para mim o Sporting ter chegado aos oitavos de final da Champions. Acho que ele é um grande treinador e só precisa de tempo para, em breve, ser reconhecido como um dos melhores treinadores do mundo. Não tenho dúvidas que isso será só uma questão de tempo.

MF: O que o faz dizer que vai ser um dos melhores treinadores do mundo?

Xandão: Acima de tudo, os resultados. Ter conseguido levar o Sporting a vencer o título, 20 anos depois... Só isso já me faria pensar nessa possibilidade. Mas não é só isso. Tem feito um grande trabalho no Sporting também noutras competições, por isso acredito que será uma questão de tempo para chegar ao estatuto que conseguiu, por exemplo, José Mourinho. Acho que o Ruben Amorim tem tudo para chegar a esse estatuto também.

MF: Um dos pontos fortes deste Sporting é a defesa. Sente que o ‘velho’ Xandão tinha lugar?

Xandão: Realmente, a defesa do Sporting está num nível muito alto. Acompanhei o Neto quando estava na Rússia, defrontei-o e lembro-me dele também no Nacional da Madeira. O Coates também é um grande central… Acho que ia ser uma briga muito interessante. Mas os centrais desta equipa estão mesmo em muito alto nível e têm sido o grande pilar desta equipa.