A verdade da mentira. Quantas vezes nos enganamos quando não há dúvidas de que estamos certos? Quantas vezes aquela peça não encaixa no
puzzle por mais que forcemos. Tentamos a telepatia. Olhamos para ela com olhos irritados. E depois chega alguém. À primeira. Sem esforço! E as vezes que nos perdemos a procurar no preto e no branco, sem esperar nada dos cinzentos?
Um dia, um austríaco, que hoje seria checo, mudou o mundo. Não logo, mas mudou. Somos melhores depois da morte. Talvez. Como no anúncio da Mercedes e do lápis, viu primeiro. E viu ervilhas. Mendel, o monge, mostrou-nos pelos caminhos da dominância e da recessividade como herdamos e passamos genes. De pais para filhos. De avós para netos. De bisavós, trisavós, tetravós e infinitavós. Para nós. E explicou-nos que um mais um nem sempre dá dois. Para ele era fácil, não era matemático.
Nas costas do Chile e dos Andes, nasceu Enzo. Em Mendoza, Argentina profunda. Nasceu extremo, avançado. E cresceu assim. Veio extremo para cá, regressou, às custas de La Brujita Verón, ainda extremo para La Plata. Sem Witsel, não consta que Jesus lhe tenha somado os genes, e a forma como se combinam, para decidir. Mas viu primeiro. Engraçado pensar nele, de bata branca. Uma cabeleira oxigenada, a mascar chiclete e a olhar pelo microscópio. Consta que não. Jesus pegou na peça do puzzle e soprou para dar sorte, como se fosse um dado. E lançou-a.
O avançado, anémico depois de sobrevoar o Atlântico, era agora box to box agressivo. Sanguíneo. Capaz de mandar no seu mundo e no dos outros. De se irritar com árbitros e adversários. De fazer gestos polémicos. Dedos a rodar depois de uma falta. Um gesto universal. Coração a mil, carrinhos a cem, pressão intensa nos rivais. Aquele jeito de receber de costas, e fintar com o corpo, como se estivesse na ala. E virar-se e correr, sempre pelo lado certo, mostrando-nos, arrogante, que a bola ainda está ali. Colada ao pé. Bolas, enganou-nos outra vez. A nós e a quem o marca. Sempre o sangue quente, sempre a ferver.
Às vezes tenho de o tirar. Ele imprime um ritmo tão alto, que depois tem dificuldade em mantê-lo os 90 minutos.
Outras vezes, não. E Enzo volta lá para dentro. Nem uma bolada em cheio, nem um desmaio o impedem. Chovem críticas. Jesus é réu. Mas isso nem é notícia. Em programas de televisão, nas conversas de café.
Arrisca-se assim a vida de um homem?
A discussão passa. Enzo continua em grande. Sempre a fintar o corpo e com o corpo. Sempre a ameaçar um lado para ir pelo outro. A fingir que vai preferir o pé de sempre, e a rematar com o menos acarinhado. O jovem rival a quebrar e o ângulo aberto para o golo que decide. Depois de uma exibição monstruosa, o momento à sua medida, enorme. A corrida para a câmara. O golo dedicado à mulher, como o fez Batistuta, em 1997, na Supertaça italiana. As lágrimas pelo amigo. Tudo intenso. Coração a mil.
Cresceu a ver Aimar e Martins, mas é tão diferente. Varre o chão, recupera bolas. Leva-a como o argentino, mas ainda não a passa como o português, que agora faz assistências na B. É Enzo, extremo em terra de toda a gente. Um atacante a marcar posições, a gerir movimentos de todo o meio-campo. Agora, pressão. Agora não. O Benfica ao seu ritmo. Sempre. Agora, vais tu. Vou eu. Foge à marcação, corre direito à baliza, numa linha reta. Nunca mais será extremo na vida, o seu lugar é ali. Onde é gigante. Feliz quem vê primeiro!
Um dia, um austríaco, que hoje seria checo, mudou o mundo. Não logo, mas mudou. Somos melhores depois da morte. Talvez. Como no anúncio da Mercedes e do lápis, viu primeiro. E viu ervilhas. Mendel, o monge, mostrou-nos pelos caminhos da dominância e da recessividade como herdamos e passamos genes. De pais para filhos. De avós para netos. De bisavós, trisavós, tetravós e infinitavós. Para nós. E explicou-nos que um mais um nem sempre dá dois. Para ele era fácil, não era matemático.
Nas costas do Chile e dos Andes, nasceu Enzo. Em Mendoza, Argentina profunda. Nasceu extremo, avançado. E cresceu assim. Veio extremo para cá, regressou, às custas de La Brujita Verón, ainda extremo para La Plata. Sem Witsel, não consta que Jesus lhe tenha somado os genes, e a forma como se combinam, para decidir. Mas viu primeiro. Engraçado pensar nele, de bata branca. Uma cabeleira oxigenada, a mascar chiclete e a olhar pelo microscópio. Consta que não. Jesus pegou na peça do puzzle e soprou para dar sorte, como se fosse um dado. E lançou-a.
O avançado, anémico depois de sobrevoar o Atlântico, era agora box to box agressivo. Sanguíneo. Capaz de mandar no seu mundo e no dos outros. De se irritar com árbitros e adversários. De fazer gestos polémicos. Dedos a rodar depois de uma falta. Um gesto universal. Coração a mil, carrinhos a cem, pressão intensa nos rivais. Aquele jeito de receber de costas, e fintar com o corpo, como se estivesse na ala. E virar-se e correr, sempre pelo lado certo, mostrando-nos, arrogante, que a bola ainda está ali. Colada ao pé. Bolas, enganou-nos outra vez. A nós e a quem o marca. Sempre o sangue quente, sempre a ferver.
Às vezes tenho de o tirar. Ele imprime um ritmo tão alto, que depois tem dificuldade em mantê-lo os 90 minutos.
Outras vezes, não. E Enzo volta lá para dentro. Nem uma bolada em cheio, nem um desmaio o impedem. Chovem críticas. Jesus é réu. Mas isso nem é notícia. Em programas de televisão, nas conversas de café.
Arrisca-se assim a vida de um homem?
A discussão passa. Enzo continua em grande. Sempre a fintar o corpo e com o corpo. Sempre a ameaçar um lado para ir pelo outro. A fingir que vai preferir o pé de sempre, e a rematar com o menos acarinhado. O jovem rival a quebrar e o ângulo aberto para o golo que decide. Depois de uma exibição monstruosa, o momento à sua medida, enorme. A corrida para a câmara. O golo dedicado à mulher, como o fez Batistuta, em 1997, na Supertaça italiana. As lágrimas pelo amigo. Tudo intenso. Coração a mil.
Cresceu a ver Aimar e Martins, mas é tão diferente. Varre o chão, recupera bolas. Leva-a como o argentino, mas ainda não a passa como o português, que agora faz assistências na B. É Enzo, extremo em terra de toda a gente. Um atacante a marcar posições, a gerir movimentos de todo o meio-campo. Agora, pressão. Agora não. O Benfica ao seu ritmo. Sempre. Agora, vais tu. Vou eu. Foge à marcação, corre direito à baliza, numa linha reta. Nunca mais será extremo na vida, o seu lugar é ali. Onde é gigante. Feliz quem vê primeiro!
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«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode segui-lo no FACEBOOK e no TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode segui-lo no FACEBOOK e no TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.
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