Dos 402 jogadores utilizados nesta edição da Liga, só 41 nasceram depois de janeiro de 1993. A percentagem (10,1 do total) é baixa. Em comparação com as principais Ligas europeias, está francamente atrás da que se regista nas Ligas de França, Espanha e Alemanha, e em linha com a série A. Só a Premier League apresenta um valor inferior mas, mesmo aqui, há uma nuance muito curiosa: o total de jogadores com menos de 20 anos na Liga inglesa duplica o número registado em Portugal, onde só 11 nasceram depois de 1994. A nossa Liga não é para miúdos? Pelo menos, os números parecem indicá-lo:

Para já os dados: dos 16 clubes da Liga, apenas dois, Estoril e Arouca, não utilizaram qualquer jogador nascido de 1993 em diante. Quem tem uma aposta mais consistente no escalão sub-21 é o
V. Setúbal (seis), logo seguido de Olhanense e Nacional (cinco cada). O elo de ligação entre as restrições financeiras e a necessidade de lançar jovens parece saltar à vista, mas nem tudo é assim tão óbvio, até porque Benfica FC Porto vêm logo a seguir nesta lista (quatro cada).

É curioso constatar que clubes de vocação formadora como o Sporting (dois sub-21), e o V. Guimarães (um) não se distinguem particularmente nesta categoria, mas a explicação é simples: em Alvalade e no Afonso Henriques, o núcleo jovem das atuais equipas já foi lançado há mais tempo, tendo agora, com 22/23 anos, apreciável experiência de Liga. E alguns dos seus jogadores com 20 ou 21 anos, com caminho tapado no onze principal, estão em rodagem na equipa B, ou em outros clubes da Liga.

Para José Mota, um dos técnicos nacionais com currículo mais extenso no lançamento de jovens jogadores, a timidez da aposta não tem uma explicação simples. «Penso que essa realidade deve ser analisada caso a caso, não se deve generalizar. Na minha carreira, sempre apostei em jovens e não tenho o mínimo problema em fazê-lo. No Paços, no Leixões, no Belenenses, tenho projetado jogadores que chegaram a internacionais e que resultaram em mais-valias importantes para o clube», lembra.

O caso de Rúben Vezo, um dos seis sub-21 do Vitória de Setúbal, transferido em janeiro para o Valência é o mais recente, numa linha que, no Bonfim, também está a ser prosseguida por José Couceiro, que já lançou Marlon Costa e passou a contar com um reforço importante, o leão João Mário.

Para José Mota, o processo tem óbvia ligação às restrições financeiras dos clubes, mas não só: «Acho que um jovem de 19/20 anos deve ser lançado com uma certa definição. Não adianta lançá-lo, deixá-lo fazer um jogo e não lhe dar mais oportunidades. O futebol profissional é completamente diferente do que se pratica na formação, e se o jogador não tiver tempo para apreender essas diferenças no treino, acaba por não conseguir impor-se», lembra.

Por isso, Mota defende uma mudança no tipo de competição proporcionado aos jovens portugueses na passagem ao escalão sénior: «A competitividade dos campeonatos juniores devia ser melhor. Se se acrescentasse mais um ano de formação, antes da passagem a sénior, o panorama podia melhorar. É verdade que as equipas B estão a cumprir esse papel, mas só servem aos clubes maiores. Os outros não têm capacidade de ir por aí, e os benefícios da medida deviam alargar-se. O futebol português não se esgota nesses nomes», lembra.

Do alto das suas 15 épocas como técnico principal, José Mota lembra ainda que a instabilidade no cargo de treinador é, em Portugal, um inimigo das apostas a prazo. «Diz-me que em Inglaterra há muitos jogadores lançados antes dos 20 anos, mas eu respondo: lá há condições financeiras para ir buscar grandes talentos ao estrangeiro, muito cedo. E com a estabilidade na política desportiva, torna-se mais fácil dar-lhes condições para aparecerem na primeira equipa», lembra, antes de admitir um reparo à atitude de alguns treinadores portugueses: «É preciso fazer um pouco mea culpa, porque grande parte dos treinadores de clubes da Liga não conhece bem os jogadores da formação, não os vê a jogar. Porque a pressão pelo resultado imediato é muita e limita a atenção às coisas que rodeiam a equipa», conclui.

Jogadores utilizados na Liga, nascidos depois de janeiro de 1993

Kiko (1/93)- V. Setúbal
João Mário (1/93)- V. Setúbal
Frederico Venâncio (2/93)- V. Setúbal
Rúben Vezo (4/94)-V. Setúbal
Ricardo Horta (9/94)- V. Setúbal
Marlon Costa (1/95)- V. Setúbal
Daniel Bessa (1/93) Olhanense
Vojtus (10/93) Olhanense
Diakhité (12/93) Olhanense
Diego Gonçalves (7/94)- Olhanense
Murilo Mendes (3/95)- Olhanense
Miguel Rodrigues (3/93) Nacional
Nuno Campos (6/93) Nacional
Jota (7/93)- Nacional
Gomaa (8/93)- Nacional
Lucas João (9/93)-Nacional
Oblak (1/93) Benfica
André Gomes (7/93)- Benfica
Ivan Cavaleiro (10/93)- Benfica
Markovic (3/94)- Benfica
Quintero (1/93) FC Porto
Iturbe (6/93)- FC Porto
Kelvin (6/93)- FC Porto
Ricardo Pereira (10/93)-FC Porto
Hassan (3/93) Rio Ave
Ederson (8/93)- Rio Ave
Diego Lopes (5/94)- Rio Ave
Rafa Silva (5/93) Sp. Braga
Tomás Dabo (10/93)- Sp. Braga
Núrio Fortuna (3/95)- Sp. Braga
Tiago Silva (6/93)- Belenenses
Rafael Veloso (11/93)- Belenenses
Fábio Sturgeon (2/94)- Belenenses
Fernando Neto (1/93) Paços
Christian Irobiso (5/93) Paços
Eric Dier (1/94)- Sporting
Carlos Mané (3/94)- Sporting
Magique (1/93)- Académica
José Sá (1/93)- Marítimo
Pecks (4/93)- Gil Vicente
Luís Rocha (6/93)- V. Guimarães

Total: 41 jogadores em 402 (10,1%)
Destes 41, só 11 nasceram depois de 1994.

Como é lá fora

Ligue 1: 507 utilizados, 85 sub-21 (16,7%)
Bundesliga: 429 utilizados, 65 sub-21 (15,1%)
Liga Espanhola: 494 utilizados, 61 sub-21(12,4%)
Série A: 515 utilizados, 51 sub-21 (10%)
Premier League: 505 utilizados, 36 sub-21* (7,2%)

* Destes 36 jogadores, 22 têm menos de 20 anos.