O nulo resistia a meia-hora do final e o Mónaco de Leonardo Jardim precisava de vencer na difícil deslocação a Angers, no sábado, para manter uma distância de segurança na liderança da Ligue 1, cada vez mais perto da sua reta final. Faltava aparecer o golo, que valeria uma vitória com estrelinha de campeão. Faltava aparecer Falcao, renascido como goleador aos 31 anos.

Falcao festeja, com Germain, o golo ao Angers

Como nos velhos tempos, o colombiano surgiu na área e, com um remate certeiro, fez o golo que valeu um importante triunfo na corrida pelo título francês. Mais um. O 25.º esta época. Para encontrar melhor registo é preciso recuar, pelo menos, quatro anos e daí para trás recordar duas soberbas épocas ao serviço do Atlético de Madrid e, antes disso, outro semelhante período de ouro pelo FC Porto, que lhe abriu as portas do futebol europeu em 2009/10.

Há apenas nove meses, poucos apostariam que «El Tigre» recuperasse o seu instinto felino. As duas últimas temporadas na Premier League, com cedências ao Manchester United (4 golos em 29 jogos, em 2014/15) e ao Chelsea (1 golo em 12 jogos, em 2015/16), foram uma desilusão e colocaram dúvidas sobre a possibilidade de ter de volta o velho e bom Radamel – cinco golos em dois anos não é um registo de um goleador de classe mundial.

Lesão quase amaldiçoou a carreira

O longo calvário de Falcao começou no dia 22 de janeiro de 2014, numa partida dos 16-avos de final da Taça de França frente ao Monts d’or Azergues Chasselay – clube dos arredores de Lyon, que tem o emblema decalcado do do Barcelona e joga no Estádio Ludovic Giuly, que despontou neste clube, onde viria a terminar uma carreira em que brilhou sobretudo no Mónaco e no Barça.

O jogo, no entanto, seria disputado no majestoso Stade Gerland, do Lyon, e Falcao abriu o marcador para o Mónaco aos 27 minutos. Parecia uma eliminatória tranquila – e em termos coletivos seria, já que a lei do mais forte impor-se-ia no marcador por 3-0. Porém, o primeiro minuto da segunda parte haveria de ser malfadado para o ponta-de-lança colombiano. Uma entrada dura do defesa-central Soner Ertek provocou uma grave lesão nos ligamentos cruzados do joelho esquerdo a Falcao.

A Colômbia entrou em profunda comoção. Daí a seis meses jogava-se o Mundial do Brasil e a sua principal estrela tinha hipotecado a presença no grande certame futebolístico do planeta.

Ertek, que aos 30 anos abandonou o futebol e hoje dá aulas de geografia, recebeu até ameaças dos adeptos sul-americanos por aquele lance desafortunado. «Vou sentir-me mal para o resto da vida», disse Ertek quando percebeu a gravidade da lesão que tinha provocado.

Três dias depois, Falcao seria operado no Porto pelo cirurgião José Carlos Noronha, tendo sido até visitado no próprio dia pelo presidente do seu país, Juan Manuel Santos.

A recuperação de Falcao era quase assunto de Estado. O prognóstico era reservado, apesar do sucesso da operação. E a verdade é que o goleador acabou por não recuperar a tempo do Mundial.

Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, com Falcao

Após oito meses de uma penosa recuperação Falcao perdeu peso na seleção: participou em apenas quatro jogos das eliminatórias para o Mundial de 2018, tendo sido titular só uma vez. As duas épocas apagadas em Inglaterra também atrasaram o regresso às escolhas de José Pékerman.

«Falcao fez escolhas questionáveis», alertou Jardim

Depois dos empréstimos, o Mónaco decidiu nesta época apostar num jogador cuja transferência custou cerca de 60 milhões de euros em 2013.

Já trintão e com números modestos, não era expectável que Radamel reencontrasse finalmente o caminho da felicidade no regresso ao principado. Leonardo Jardim confiou nele e no início desta época integrou-o no plantel como colega de equipa de Bernardo Silva e João Moutinho. E ganhou a aposta.

«O problema dele não foi apenas a lesão no joelho. Foi querer ter ido logo jogar para o Manchester ou para o Chelsea. Ele quis continuar a jogar ao mais alto nível antes de recuperar da lesão. Quando alguém se lesiona, não troca de clube. Os jogadores não são máquinas. E ele fez algumas escolhas questionáveis», afirmou o técnico português ainda no início desta época, acrescentando: «Falcao continua a ser um dos melhores avançados, isso não mudou.»

Logo no início da época, Falcao reencontrou-se com os golos: marcou nas duas mãos da pré-eliminatória da Liga dos Campeões frente ao Fenerbahçe; na Ligue 1 estrear-se-ia a marcar à 5.ª jornada e desde então leva 17 golos, sendo o 3.º melhor marcador, atrás de Lacazette (24) e Cavani (27).

Os golos surgiram, uns atrás dos outros, e até aos pares, tendo já bisado seis vezes nesta temporada e feito um hat-trick (contra o Bordéus, na jornada 17). Uma das noites mais inspiradas foi em casa do Manchester City, com dois tentos importantes nuns oitavos da Liga dos Campeões que terminaram com um incrível 6-6 nas duas mãos. Esta semana, a Champions está de regresso, o Mónaco vai jogar a Dortmund e o predador das áreas está pronto para regressar aos grandes palcos, ao lado do prodígio Mbappé.

Falcao voltou a ser aquilo que era, após uma longa travessia do deserto, alicerçada na fé do jogador, católico praticante, e embalada pelo canto de Lorelei Tarón, a sua mulher, que no mês passado lançou o tema «No Me Rindiré», inspirado num tweet publicado por Radamel aquando da lesão.

O tema, escrito pelo compositor Álex Campos e inspirado na recuperação de Falcao, é gravado em Nova Iorque e tem o próprio Falcao como protagonista de um videoclip que termina, simbolicamente, com ele a entrar num Estádio Louis II de bancadas vazios com a camisola do Mónaco vestida.

Hoy, que me atropellan todos los recuerdos,

que me distraen triunfos y victorias, me aferro a ti.

Decido creer, no me rendiré.

Falcao voltou a voar. «El Tigre», finalmente, voltou a rugir. Ele prometeu que não se ia render.