Mudar de treinador, e de preparador físico, a meio da época pode ser a pior decisão de gestão de um clube de futebol. As equipas com mais jogadores lesionados perdem mais vezes e alterar métodos de trabalho provoca lesões. Esta foi uma das ideias fortes de Jan Ekstrand, médico sueco do Comité da UEFA que estuda as lesões dos futebolistas, durante a conferência «Football Talks» que decorre no Centro de Congressos do Estoril.

O título escolhido por Jan Ekstrand prometia («Os treinadores e os CEO’s são mais importantes do que os médicos para a situação clínica de um clube de elite») e a comunicação do ortopedista esteve à altura.

Membro da UEFA desde 1982, numa altura em que o antidoping era quase a preocupação exclusiva destes médicos do futebol, Ekstrand tem acesso a informação privilegiada, partilhada por 74 clubes europeus de elite. Ao longo dos últimos doze anos, os dados provenientes de 18 países têm sido tratados, analisados e devolvidos a quem os partilha. Para benefício de todos.

O conhecimento que daí resulta ajuda os clubes, dos dirigentes aos treinadores, passando, claro, pelos médicos. Mas, como referia Ekstrand no título da comunicação, quando se fala em lesões de futebolistas há muita coisa que não está nas mãos dos médicos.

A prevenção de lesões depende, no entender deste especialista, de quatro factores: liderança e métodos de treino impostos pelos treinadores, carga de treinos e jogos, comunicação interna e bem-estar dos futebolistas. Ekstrand explicou cada um deles.

O médico demonstrou que na elite europeia apenas dois treinadores mantiveram um nível elevado de disponibilidade de jogadores. Ou seja, tiveram quase sempre mais de 84 por cento do plantel pronto para competir e foram os que conseguiram maior sucesso no período analisado. Os dados são confidenciais, os nomes não foram revelados. Mas Ekstrand sempre deixou escapar que um desses treinadores nasceu em Portugal. José Mourinho, achou a sala.

Sobre a carga de treino, uma evidência: não existe uma medida certa que permita evitar lesões. Já sobre a comunicação interna, nenhuma dúvida: é essencial. Conversar muito, estar atento aos sinais, saber ver. Ekstrand exemplificou esta ideia mostrando uma fotografia de Antero Henrique (diretor do FC Porto), Nelson Puga (médico portista) e André Villas-Boas, na altura treinador do clube. O diálogo evita lesões.
 

Por fim, mais algumas ideias. Mudar de treinador a meio da época implica mudar de métodos. E alterar a forma de trabalhar pode ser trágico. As lesões sobem e já se sabe que muita gente lesionada afeta o resultado desportivo. Mas pior do que isso é mudar de preparador físico. As lesões podem aumentar até 43 por cento! Os dados são de Ekstrand e falam por si.

Conclusão da conferência, muito estimulante por sinal, deste ortopedista e professor: a palavra «azar» não existe no mundo das lesões desportivas. O trabalho sim.

Já agora, mais duas ideias, para o leitor pensar. A passagem dos jovens praticantes das academias para o futebol profissional é um período crítico. Os treinadores devem observar as cargas que aplicam a esses jogadores, até porque os jovens tendem a esconder as dores. Eles não querem parar, o que por vezes leva a lesões mais graves. E uma última, irresistível: equipas com futebol mais técnico, com menor recurso a choques, tendem a ter menos lesões. E, sim, ganham mais vezes. Disse o médico, de facto um elemento muito menos importante do que pode parecer à primeira vista quando se trata de olhar para a situação clínica de um clube de topo.

«Football Talks» é um congresso de futebol organizado pela Federação Portuguesa de Futebol, no centenário da FPF. Pode seguir os trabalhos no Twitter do Maisfutebol

(se quer saber mais sobre isto, leia este estudo)