O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

Uma imagem marca Zidane. Não a dos dois golos da final de Saint Denis frente ao Brasil de um Ronaldo abalado – acompanhada pela projeção sobre o Arco do Triunfo com o agradecimento Merci, Zizou –, ou a do vólei de pé esquerdo que vale uma Liga dos Campeões. Nenhuma dessas. Nenhuma outra foi mais marcante do que a cabeçada infame no peito de Materazzi, carniceiro italiano que levou o confronto para o pessoal e incendiou a reação do nosso Dez, que foi ainda 7, 21 e 5 ao longo da carreira. Esqueçam-na, em nome do (bom, porque mau teve-o algumas vezes) génio.

A imagem, sublimada por ser a última, sobrepõe-se a todas as outras, e só se dissipa quando nos embrenhamos nos malabarismos eternos de um dos maiores de sempre.

O golo ao Leverkusen: Zidane já marcou, e inicia a corrida para a festa.

Zinedine cresce para ser herdeiro de Platini, e vai mais além. Comanda a sua geração à consagração absoluta: o Campeonato do Mundo (com o da Europa, dois anos depois). A Place Tartane, em La Castellana, subúrbios de Marselha, é o primeiro palco em que o mais novo de cinco com o mesmo efervescente sangue argelino se destaca. Ali, no asfixiante retângulo de um bairro complicado, sujeito a tudo, faz o miúdo pela vida. Sem nunca poder deixar de lutar. Fica lição.

Do bairro aos cinco anos para o Cannes, onde ainda sonhava ser Francescoli, aos 14; e a estreia mais tarde perante o Nantes. Seis golos em mais de 60 jogos, e transferência para ser girondino em 1992. Um Bordéus de contra-ataque, sem espaços para Dézes, com Dugarry, Lizarazu e mestre Toni que repetia, dono da verdade, quase tantas vezes como as em que tentou convencê-lo a assinar pelo Benfica, as três chaves para o sucesso

Travail, travail e travail!

Trabalho, trabalho e trabalho!

E mais travail! Seguem-se os Bleus dois anos depois, com França rendida. O golo na estreia, o mundo a olhar. Uma pechincha é o que custa à Juventus, pouco mais de dois milhões de dólares. Diamante para Lippi lapidar, e transformar no Dez definitivo que ainda não tinha sido. Taça Intercontinental, Supertaça Europeia e scudetto na primeira época, título também na segunda e final Champions perdida para o Real. O Mundial depois, a Bola de Ouro a seguir. E outra dois anos depois, com o Euro conquistado, destruindo pelo meio os sonhos portugueses.

Uma classe incomparável.

A primeira cabeçada a Jochen Kientz, do Hamburgo, antecedeu a saída de Turim para o Bernabéu, a troco de mais de quatro dezenas de milhões de euros. Festeja de imediato a primeira Liga dos Campeões com o golo de voléi ao Leverkusen, e em duas temporadas arrecada ainda outros tantos campeonatos, uma Intercontinental e nova Supertaça.

Depois de se ter despedido da seleção no final do Euro-2004, volta depois e ajuda na qualificação, difícil, para o Mundial. Na final, assina de penálti o 1-0. Panenkada perfeita, em jeito de soco no estômago a Buffon, com a bola ainda a beijar a trave antes de bater para lá da linha. Materazzi empata, e o jogo segue para prolongamento. É então que perde a cabeça, deixando-a cair, com estrondo, depois de um

A tua irmã isto e aquilo…

sobre o peito do mesmo Materazzi. Vermelho. Ponto final na carreira. Já não é futebolista, ainda nos balneários do Olympiastadion de Berlim, quando a Itália vence o caneco no desempate por penáltis.

Símbolo de integração, Zidane é, em campo, o Dez-malabarista. Um dos melhores, se não o melhor, a juntar tudo no mesmo corpo. Roleta como assinatura, a pedadala como rubrica. Domínio. Visão. Controlo de bola. Poder físico. Jogo de cabeça. Drible. Dois bons pés. Ambição. Liderança. Remate. Os livres diretos, claro. Tudo somado dá conta perfeita: génio.

Porque não queremos que a última imagem perdure, apresentamos aqui a amostra de um talento ímpar. Dez, sim. E dos mais redondos de sempre.

Os melhores golos:

Zinedine Yazid Zidane

Data de nascimento: 23 de junho de 1972

1989-92, Cannes, 61 jogos, 6 golos
1992-96, Bordéus, 139 jogos, 28 golos
1996-2001, Juventus, 151 jogos, 24 gogos
2001-06, Real Madrid, 155 jogos, 37 golos

França, 108 jogos, 31 golos

Palmarés

Campeão do mundo 1998
Campeão da Europa 2000
1 Liga dos Campeões (Real Madrid, 2001-02)
2 Taça Intertoto (Bordéus, 1995; Juventus, 1999)
1 liga italiana (Juventus, 1996-97 e 1997-98)
1 liga espanhola (Real Madrid, 2002-03)
1 Supertaça italiana (Juventus, 1997)
2 Supertaças espanholas (Real Madrid, 2001 e 2003)
2 Supertaças Europeias (Juventus, 1996; Real Madrid, 2002)
2 Taças Intercontinentais (Juventus, 1996; Real Madrid, 2002)

Outros prémios individuais:

Melhor jogador da liga francesa (1996)
Melhor jogador da liga italiana (2001)
Melhor jogador estrangeiro da liga italiana (1997 e 2001)
Melhor jogador estrangeiro da liga espanhola (2002)
3 FIFA World Player of the Year (1998, 2000 e 2003), mais um segundo lugar (2006) e três terceiros (1997 e 2002)
1 Bola de Ouro France Football (1998)
Jogador francês do ano (1998 e 2002)
Melhor jogador do Mundial-2006
Melhor jogador do Euro-2000
Melhor jogador da UEFA para os passados 50 anos (2004)
Melhor jogador da Liga dos Campeões dos últimos 20 anos (2011) 

Robert Pires (à esquerda), Zidane (centro) e Lizarazu (direita). 

Outros artigos da série:

Nº 1: Enzo Francescoli
Nº 2: Dejan Savicevic
Nº 3: Michael Laudrup
Nº 4: Juan Román Riquelme
Nº 5: Zico
Nº 6: Roberto Baggio