A minha vontade era dedicar este oitavo «Nem de propósito» à lição tática que o Chelsea deu ao Manchester City, no duelo de segunda à noite no Etihad, mas seria o segundo artigo dedicado a José Mourinho e já tinha decidido que, desta vez, iria falar sobre as principais equipas portuguesas.

Se este artigo fosse publicado há um ou dois meses, a grande história era a surpresa do Sporting de Leonardo Jardim ser candidato ao título.

E a grande incógnita teria a ver com o FC Porto de Paulo Fonseca: estaria o ex-treinador do Paços a tempo de evitar o pior e recolocar os dragões na senda do tetra?

Quanto ao Benfica, e apesar dos tropeções constantes do eterno rival da Invicta, permaneceria, nessa altura, a dúvida sobre se, sem Cardozo, haveria capacidade para que Lima e Rodrigo resolvessem os jogos mais complicados.

As últimas semanas deram algumas pistas sobre estas questões, mas subsistem dúvidas em relação a todas elas.

Chegados a fevereiro, com a segunda volta a arrancar, o Sporting de Jardim continua a merecer elogios, mas começa a denunciar as fragilidades que obviamente tem.

Leão ou gatinho?

Nunca é demais realçar os méritos dos primeiros meses da época leonina. Muito poucos acreditariam que o Sporting iria dobrar o campeonato colado ao Benfica e à frente do FC Porto. Provavelmente, nem Leonardo Jardim acharia isso possível.

A verdade é que, na primeira metade da época, o Sporting surpreendeu com um William Carvalho maduro e sólido (que belo médio-centro para os próximos anos da Seleção), um Montero matador e um Adrien finalmente encaixado como referência do jogo sportinguista.

Com o passar do tempo, e o desgaste da época, nem sempre o ponta-de-lança colombiano conseguiu ser tão decisivo. William e Adrien, continuando a ser o fulcro do jogo leonino, passaram a ter exibições menos conseguidas.

Em Arouca, o Sporting parecia ter tido a prova dos nove: estava a perder o jogo, o adversário adaptava-se melhor ao terreno pesadíssimo, a derrota adivinhava-se.

Carlos Mané, lançado pelo golo belíssimo dias antes para a Taça da Liga, fez empate providencial mesmo em cima do intervalo e, no segundo tempo, uma gestão inteligente de Jardim (com aposta certeira em Slimani, no tempo certo) deu ao Sporting triunfo importantíssimo.

Tínhamos Sporting com... «estrelinha de campeão», a ganhar à tangente mesmo os jogos em que os dados jogavam contra.

Mas a tendência de arrefecimento é indiscutível nesta fase do Sporting: quatro empates a zero nos últimos sete jogos, num claro sinal de quebra de produção de Montero.

Leonardo Jardim, treinador que muito admiro não só pela competência técnica mas também pela serenidades nos atos, tem uma questão central a resolver nos próximos tempos: faz sentido mudar o esquema para meter Slimani ao lado de Montero?

O jogo insuficiente com a Académica (empate a zero), em momento com todos os aliciantes possíveis para um triunfo (depois da derrota do FC Porto na Madeira e do deslize do Benfica em Barcelos), foi a prova de que este Sporting precisa de mais garantias ofensivas.

Se quiser lutar mesmo pelo título, claro. Seja como for, se for terceiro, a pouca distância dos dois primeiros, o balanço do Sporting de Jardim, época I, terá que ser positivo. 

Série Fonseca abala Dragão

No FC Porto, o caso é mais complicado.

A perda de qualidade em relação à temporada passada é inegável. Não há «spin» de entrevistas e conferências que consiga relativizar o problema.

E basta auscultar as opiniões dos adeptos do FC Porto em fóruns, blogues e outros locais de opinião para se perceber que a insatisfação parte de dentro.

Paulo Fonseca obteve um feito notável na época passada: levar o Paço de Ferreira ao terceiro lugar da Liga, com consequente acesso ao «playoff» da Champions.

Um feito desta natureza não surge por acaso. Não foi só mérito do treinador, mas teve, certamente, muito dedo do treinador.

O que está em causa não é, por isso, a qualidade do técnico do FC Porto. A questão prende-se, sim, na forma como Paulo Fonseca está a lidar com a enorme responsabilidade que é treinar o tricampeão nacional.

Entre os vários «baixos» e os poucos «altos» da época portista, houve, na minha opinião, um momento crucial: a derrota em Coimbra.

Numa situação normal, o grau de contestação que se gerou depois desse jogo levaria à queda do treinador. Mas o FC Porto tem, de facto, uma estrutura única a nível nacional. E a intervenção de Pinto da Costa foi suficiente para segurar o treinador.

Fonseca mudou, conseguiu recuperar um pouco o rendimento da equipa, mas voltou a falhar.

Para um clube habituado a ser campeão quase sempre e a chegar longe na Champions com muita frequência, dobrar a primeira volta em terceiro e ser relegado para a Liga Europa é frustrante.

No mínimo, Paulo Fonseca está obrigado a ser campeão. Mas não está fácil.

A culpa é só do treinador? A explicação para o «downgrade» portista foi só a mudança de Vítor Pereira para Paulo Fonseca? Não, claro que não.

É preciso recuar um pouco e olhar para as soluções: Paulo Fonseca não tem João Moutinho, que era só a peça mais influente do jogo portista. Nem James. Agora também já não tem Lucho. Se perder também Otamendi e Fernando, fica ainda mais complicado.

Licá, Josué, Carlos Eduardo, agora Quaresma, são jogadores com qualidade, mas não têm o nível dos nomes anteriores. Quintero promete muito, mas demora a explodir. Defour é bom, mas não é Lucho.

Tarefa muito ingrata para o resto da época de Paulo Fonseca: a exigência continua a ser máxima, as armas parecem continuar a ser insuficientes.

Benfica favorito, mas irregular

Neste quadro de um leão promissor mas ainda a «gatinhar», e de um FC Porto ainda na luta mas com perda de qualidade em relação à época passada, o Benfica tem que ser apontado, nesta altura pelo menos, como o principal favorito ao título.

Jorge Jesus não teve um arranque fácil de época: o desastre da reta final da temporada passada ainda pesava no subconsciente da equipa e os primeiros jogos mostraram um Benfica pouco dominador (derrota na Madeira na primeira jornada, empate em casa com o Belenenses).

Mas Cardozo foi reintegrado, deu mais poder de fogo à equipa, as vitórias sucederam-se. Os constantes tropeções do FC Porto também ajudavam a moralizar.

A lesão do Tacuara poderia ter sido dramática, mas a boa notícia para os encarnados foi que, sem Cardozo, Lima retomou o caminho dos golos e Rodrigo explodiu, finalmente, como grande avançado que é.

Caminho aberto
para a águia? Nem por isso. Logo a seguir à derrota do FC Porto na Madeira, o Benfica tinha a oportunidade de ter um avanço de seis pontos sobre os dragões, algo que não acontece desde o ano do título.

E o que aconteceu? Empate em Barcelos, no terreno de um Gil Vicente em longo jejum de vitórias, com o pormenor do penálti desperdiçado por... Cardozo no último momento.

A resposta do Benfica no clássico da Luz, no próximo domingo, frente ao Sporting poderá alterar (ou confirmar...) esta perceção de irregularidade daquele que é, apesar de tudo,o principal favorito ao título nesta fase.

É, por isso, um Benfica irregular mas, apesar de tudo, favorito a um título num campeonato que, como bem se recordou aqui, começa a fazer lembrar o de 2004/2005, com os três grandes a esbanjarem pontos e que terminou com Trapattoni campeão.

Aprender com o mestre

Voltando ao desabafo inicial: José Mourinho já abandonou o futebol português há quase uma década. E convenhamos que os últimos tempos (entre a saída de Madrid e o regresso a Stamford Bridge) nem têm sido fáceis para o técnico do Chelsea.

Mas basta ver com atenção o City-Chelsea de segunda passada para se perceber que fará muito bem aos treinadores dos três grandes portugueses se continuarem a tentar tirar ensinamentos dos melhores momentos do «Happy One».

«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?