O São Paulo estava a viver o seu «annus horribilis» e no Morumbi já se receava a descida à Série B.

Os primeiros nove meses de 2013 foram péssimos para o «tricolor» e levaram a dois despedimentos: primeiro de Ney Franco, o técnico que levou o São Paulo ao triunfo na Copa Sul-Americana em dezembro passado, depois de Paulo Autuori, o treinador que conduziu o clube ao título mundial, em 2005.

Nada parecia ser suficiente para resolver a crise são-paulina.

Mas Juvenal Juvêncio, o polémico presidente do clube, puxou de um último trunfo que está a revelar-se certeiro: despediu Autuori (que manteve sempre boa imagem no balneário e até com os adeptos, mas que nunca conseguiu encarreirar na senda das vitórias) e promoveu o regresso de Muricy Ramalho, o técnico que levara o São Paulo ao «tri» no Brasileirão (título brasileiro em 2006, 2007 e 2008).

Juntou-se o útil ao agradável: o São Paulo precisava de um abanão que acabasse de vez com a série negativa; Muricy estava disponível, depois de ter sido despedido do Santos.


Derrotas transformaram-se em vitórias

Os resultados foram imediatos: nos quase dois meses de Paulo Autuori, o São Paulo teve o péssimo registo de três vitórias, quatro empates e dez derrotas. Nos 15 jogos já realizados por Muricy desde 10 de setembro, o clube paulista soma dez vitórias, dois empates e três derrotas.

Não é expressão, é mesmo literal: Muricy inverteu o ciclo de derrotas e transformou-o em vitórias. E era mesmo disso que o São Paulo estava a precisar.

Consequência: a 9 de setembro, no despedimento de Autuori, o clube do Morumbi ocupava um invulgar antepenúltimo posto no Brasileirão, com apenas 18 pontos em 19 jornadas.

Sete semanas depois, a equipa está já na nona posição, na primeira metade da tabela, com 43 pontos em 31 jogos, já não muito longe dos primeiros lugares.

Se contabilizarmos só os jogos da segunda volta, o São Paulo partilharia com o Cruzeiro a liderança da prova, confirmando a ideia de que o período de Muricy tem sido à altura do melhor que estão a fazer os clubes brasileiros, neste momento.


Nos últimos 18 pontos do Campeonato Brasileiro, o São Paulo somou 16: cinco vitórias e um empate, em seis jogos.

Milagre? Muricy, velha raposa, afasta esse tipo de ideias. «Estou em final de carreira, já passei por muito. Já só faço o que quero», desabafou, após o suado triunfo, nos descontos, com o Atlético Nacional, da Colômbia, para a Copa Sul-Americana.

«Tive mérito nessa reação da equipa, mas foi obrigação. Este clube é gigante, tem uma torcida enorme e muita história. Não podemos ficar muito felizes, porque a gente tinha que sair daquela situação (descida) e subir na tabela. Conheço bem o São Paulo e consegui ajudar nessa mudança», apontou o técnico, após o importantíssimo triunfo diante do Inter de Porto Alegre, no Brasileirão.

Mas como foi possível transformar, em poucas semanas, as derrotas em vitórias? «Fazer o trabalho é a nossa obrigação. Conseguimos transformar o ambiente e, agora, você vê os caras dando mão no Centro de Treinos e cantando no vestiário. Isso eu consegui trazer para o São Paulo, porque o pensamento tem que ser sempre positivo. Os jogadores entenderam a mensagem, compraram a história e estão correndo demais», insistiu Muricy.


O segredo de Muricy

Muricy Ramalho, 58 anos, dirige o São Paulo pela quarta vez. Entre 2006 e 2008, somou três títulos brasileiros seguidos, algo que os adeptos do Morumbi nunca esqueceram.

Quando, em 2006, pegou na equipa paulista pela terceira vez, teve arranque muito idêntico ao que está a conseguir fazer (nove vitórias, dois empates, três derrotas, nos primeiros 15 jogos). 




Para a jornalista Jessica Corais, especialista em futebol brasileiro, «Muricy teve papel fundamental e talvez único na reconstrução do São Paulo.»

«Ele não é um técnico qualquer», reforça a jornalista brasileira, em comentário para a Maisfutebol Total.

«Na sua inteligência tática, na história do São Paulo (é o técnico mais vitorioso da história recente do clube) e também e principalmente, na sua personalidade e caráter vencedor. Ele trouxe ao clube o espírito vencedor. Tê-lo como técnico é para os jogadores, torcida e diretoria é sinónimo de que o clube vai brigar pelas vitórias. Todos confiam nele. Foi isso que fez a equipa se reerguer. A confiança em seu trabalho. Os atletas olham para ele e sabem: 'ele vai me fazer evoluir e crescer'. E o interessante é que os atletas sempre estão certos».

Na mesma linha, Luís Carlos Quartorollo, analista da Rádio Jovem Pan, escreveu no seu blogue: «Muricy é um técnico que tem que ser respeitado mesmo. Deu confiança ao time, faz o São Paulo jogar com a bola no chão e tem estratégias diferentes para cada adversário. Lembro que Muricy jogou com vários esquemas no seu tricampeonato no São Paulo, botou a bola no chão no Internacional e Fluminense, fez grandes jogos com o Palmeiras enquanto teve Cleiton Xavier e Diego Souza ligados no campeonato e levantou o Santos combalido para ser campeão da Libertadores depois de um começo de ano muito difícil. Portanto, Muricy se adapta ao elenco que tem e faz o time jogar

Não será, por isso, de admirar que o São Paulo já esteja a tentar convencer a Muricy a prolongar contrato. «O Muricy é da casa. As negociações com ele nunca duraram mais do que dez minutos. Ele vai ficar, a não ser que não queira. Mas acredito que isso não vai ser problema», nota o vice-presidente do Tricolor, João Paulo de Jesus Lopes.

O que falhou com Autuori

Rui Malheiro, especialista em futebol internacional, explica, em declarações  à Maisfutebol Total: «A situação do São Paulo era extremamente complicada e a equipa estava na zona de despromoção desde a 9ª jornada. A chegada de Muricy devolveu a confiança aos adeptos, fruto do seu trabalho anterior no clube, e acrescentou atitude e organização a uma equipa apática e que jogava sobre brasas. Uma das grandes virtudes de Muricy foi perceber imediatamente quais as limitações e necessidades da equipa, aspeto em que Autuori mostrou lacunas, tornando-a mais pragmática e objetiva. Os jogadores, ao contrário do que vinha a acontecer, perceberam a ideia do treinador: jogar bem não é importante, o que interessa é jogar para o resultado. »

Paulo Autuori pegou no São Paulo a 11 de julho, numa altura em que a situação já era aflitiva. Mas a única vitória significativa que teve foi na Luz, arrebatando ao Benfica a Eusébio Cup. No Brasileirão, as coisas iam ficando cada vez piores .

O que mudou nestas seis semanas, entre o que não resultava com Autuori e o que está a resultar com Muricy?

Rui Malheiro analisa: «
Resultadismo e organização, duas das imagens de marca do que os brasileiros definem como Muricybol. Há uma preocupação estratégica em anular o sistema e os pontos fortes do adversário, o que o leva a variar entre o 3x4x1x2, o 4x3x1x2 e o 4x2x3x1 mesmo no decurso dos jogos, explorando a versatilidade de alguns jogadores. A equipa está melhor organizada do ponto de vista defensivo, defende com mais homens e com as linhas mais próximas, e aumentou os índices de agressividade e, com isso, recupera mais bolas. Depois, há a astúcia habitual das suas equipas a jogar no erro do adversário, sendo notório o crescimento de produção dos jogadores que constroem, desequilibram e finalizam: Jadson, Ganso, Ademilson, Aloísio e Luís Fabiano – este na primeira fase da recuperação, já que passou grande parte do mês de Outubro de baixa. Deve destacar-se ainda o central António Carlos, em quem Muricy tem apostado como líder da equipa e tem sido extremamente importante no aproveitamento de lances de bola parada: apontou 5 golos em 12 jogos.»