Um lenço imaginário tapa-lhe o cabelo, uma pala invisível o olho esquerdo. Com a convicção de um pirata que afunda a pá no sítio onde quer cavar, Pablo Aimar, um dos mais talentosos dos sete mares, desenha a cruz que marca o tesouro. Fifteen men on a dead mans chest / Yo ho ho and a bottle of rum! / Drink and the devil had done for the rest / Yo ho ho and a bottle of rum! A letra X. Ali. Seguro de si, carrega o baú de dobrões e afunda-o para o recuperar depois. Mão esquerda à frente da direita, a apontar o monóculo no horizonte. As pernas cruzam-se velozes atrás da bola inchada com o mapa do tesouro lá dentro, como um passo de esgrima em cima da prancha de um galeão. Para tí, Suazo, todo mi oro!

O velho Old Trafford explode. Glory, glory, ManUnited! Glory, glory, ManUnited! Sim, é golo de Cristiano, aquele que os red devils cantam a plenos pulmões que não tem igual. É apenas mais um de muitos, rompido o tridente amoroso com Nereida e o Real, ninguém sabe necessariamente se por esta ordem. Mas a consciência de algo ainda mais especial abate-se sobre o estádio como um martelo sobre a bigorna. Culpa de Berbatov, o búlgaro que pisa a grande área com um cavalete debaixo do braço, pronto a desenhar mais uma obra de arte. James Collins ainda gatinha a esta hora para a lateral. O defesa galês tenta encontrar, de cócoras - como Vítor Baptista desesperava pelo brinco - os rins que perdeu. Junto à linha final, a viragem de 180 graus sobre a bola, completada com o pé direito e com a assistência para o português detonam a festa.

Salto em uníssono, tão sincronizado como nadadoras de molas no nariz quando vêm à superfície. O banco da Naval desespera. Davide já tinha saído, depois de ter perdido no ar a luta com o cotovelo de Bruno Alves, e espera-o agulha e linha, quatro pontos cosidos na cabeça e talvez uma cicatriz para mostrar aos futuros netos. Agora, o central entra novamente para lá do limite, duro, dentro de um estilo perigoso mesmo para avançados de barba rija. Pedro Henriques perdoa-lhe outra vez.

A norte, Derlei anula com uma patada um túnel de Sílvio e insulta-o no chão, culpando-o pelos males do mundo e pela insolência. Amarelo. Sob influência de um vírus estranho ou num inaceitável acesso de loucura, salta segundos depois com o cotovelo nas costas de um adversário e atira a bola para fora. Vermelho. Em Guimarães, com o Diabo de Gaia, irradiado por um ano das bancadas, a marcar surpreendente presença, as claques esgrimem argumentos com cadeiras e insultos. Uma falha Aimar por pouco. E Reyes também acabará expulso depois de vulgarizado por Andrezinho. Cego pelo rival, fere-o no flanco e sai mais cedo.

Córdoba salva Mourinho sobre o gongo em Reggio Calabria. Viva la Cumbia!. O colombiano evitou a terceira igualdade em quatro jogos, já que depois viria a de Chipre. A pressão teima em não esvaziar para o lado do Special One, talvez numa conta ainda um pouco mais alta do que a que pretendia para os seus ombros. Fez a equipa para Lampard, mas não tem o inglês para levar a bola mais vezes perto de Ibrahimovic, e mostra-se incapaz de estabilizar a equipa atrás como tanto gosta, por força de muitas lesões. Inacreditáveis os três erros defensivos em Larnaca, sobretudo numa equipa italiana de topo como a nerazzurra. Já a Juventus e De Piero vivem um segundo fôlego em Itália e na Champions. Aos 33 anos, o avançado encontrou o elixir da eterna juventude. E o Real um pesadelo.

A semana em Portugal acaba com vitórias de Sporting e F.C. Porto, e com imagens de que, afinal, está tudo bem. Ao Dragão voltou a sorte que Jesualdo perseguia, em Alvalade acabaram os casos que nunca existiram e faziam rir os jogadores. A verdade é que, felizmente, todos temos a capacidade de nos rir uns dos outros.

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, editor do Maisfutebol, que escreve aqui todas as semanas.