Há um jogo, ainda neste ano de 2016, que entra diretamente para o top das melhores amostras daquilo que o futebol tem para dar. A 14 de abril, Liverpool e Borussia Dortmund deram espetáculo nos quartos de final da Liga Europa. Os «reds» estiveram duas vezes praticamente eliminados, a perder por 0-2 e 1-3, mas acabaram por ganhar 4-3 e seguir em frente, com o último golo já nos descontos.

No final, Thomas Tuchel, treinador do Dortmund, disse mais ou menos isto: «Depois do 3-3 não havia ninguém no estádio que não achasse que eles ainda iam marcar o quarto. Era o destino e nós não conseguimos contrariar.»

Um pressentimento, no fundo. Como em 2004, quando os adeptos do Manchester United levaram as mãos à cabeça assim que o árbitro assinalou falta a favor do FC Porto perto da área. Sentiam que vinha dali qualquer coisa de mau. Costinha comprovou-o.

No último domingo, o Dragão assistiu a um fenómeno parecido. No preciso momento em que a bola pontapeada por Herrera passa Eliseu sem lhe tocar, como era objetivo do mexicano, e sai pela linha de fundo, o estádio emudeceu. Se houve altura em que se sentiu no ar o clima de tensão foi naqueles segundos entre o momento em que Artur Soares Dias aponta para canto e a bola cabeceada por Lisandro López entra mesmo na baliza.

Como se todos, jogadores do FC Porto incluídos, adivinhassem o que aí vinha. Como se, como disse Tuchel, fosse impossível contrariar o destino. Ao azar de Herrera veio juntar-se o único erro defensivo do FC Porto no jogo. Em catadupa. O próprio Herrera deixou André Horta cruzar à vontade, Alex Telles deixou Lisandro fugir, Danilo não chegou a tempo de minimizar o estrago. E o FC Porto desabou, quando o destino que se adivinhava se cumpriu.

A partir daí é normal que se tente buscar explicações. Herrera, culpado número 1, por ter tentado o que nunca nenhum jogador na história do futebol conseguiu. Nuno Espírito Santo, culpado número 2, por ter feito substituições que ninguém iria contestar se o jogo terminasse aos 91. Rui Vitória, culpado número 3, porque ganhou o jogo a partir do banco, como se, antes do golo, numa bola parada, houvesse algo mais para mostrar do que um remate de fora da área.

A questão é simples: o FC Porto teve azar. Quando errou, foi castigado.

O problema é que isto de resumir um jogo de futebol a sorte e azar não é muito bem visto por aí. Dá análises bem menos trabalhosas, programas de televisão menos giros, trocas de argumentos bem mais rápidas e teorias que rapidamente se desvanecem. Nem os treinadores gostam de falar de sorte e azar no futebol porque isso seria admitir que não controlam tudo do que se passa lá dentro. Mas é verdade.

Não há uma única análise técnico-tática que explique por que Gaitán atirou ao poste no último lance do jogo que dá o título do FC Porto na Luz, o famoso ‘Clássico do apagão’ em 2011. Mas atirou. Foi porquê se não por azar?

Que explicação há para que o Sporting sofra o 1-3 do CSKA Moscovo, na final da Taça UEFA de 2005, no lance imediatamente a seguir a atirar uma bola ao poste de forma escandalosa se não o azar?

Quando perdeu no Dragão com o Benfica, com bis de Lima, Julen Lopetegui disse que o futebol era o único desporto no mundo em que podes perder um jogo mesmo sendo superior ao rival. Se assim é, que explicação há que não a fortuna ou a falta dela nos momentos decisivos?

O azar no futebol não é só a bola que bate no poste e não entra ou a que bate no poste e entra, como no desempate por penáltis entre Portugal e Espanha nas meias-finais do Euro 2012. É muito mais. Azar com a opção que se tomou, azar pelo escorregão na altura errada, azar com o árbitro que não viu um penálti evidente, ou, como no domingo, azar com uma lesão que tira o capitão de campo no primeiro quarto de hora e que se transforma em sorte quando o homem que o substitui vai lá para dentro e empata o jogo.

Acredito muito no lado transcendental do futebol. No lado incontrolável, que decide os duelos mais amarrados, onde a diferença entre as equipas não é suficiente para valer, por si, uma vitória. Acredito na inspiração e na confiança. Que pensamentos positivos atraem coisas positivas e pensamentos negativos atiram qualquer um para um fosso de onde é dificílimo sair.

Acredito, por fim, na sorte e azar no futebol como um fator quase tão importante como a tática, a técnica individual, a inteligência ou a capacidade física.

No Dragão, no domingo, houve um momento desses.

Onde nada garantia que, tivesse sido outro qualquer a ceder o canto ou estivessem em campo os mesmos onze que jogaram até à primeira substituição, não sofreriam na mesma o golo que todo o estádio adivinhou ainda Pizzi estava a colocar a bola no quarto de círculo.

«O GOLO DO EDER» é um novo espaço de opinião no Maisfutebol, do mesmo autor de «Cartão de memória». Porque há momentos que merecem a eternidade e porque nada representará melhor o futebol português, tema central dos artigos, do que o minuto 109 de Paris. Siga o autor no Twitter.