PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«THE POTEMKIN LEAGUE» - de Michael Oswald
Sim, a onomatopeia é um tributo à paixão de herr Jurgen. Pelo jogo, pela profissão. Palmas. 90 minutos de um enorme Liverpool, capaz de nos fazer esquecer todo o Mal que se tem abatido sobre o futebol que tanto amamos nos últimos anos.

Refiro-me, essencialmente, à fealdade do capitalismo. À globalização de magnatas de coração frio na gestão de clubes – históricos ou não – e da eliminação da essência de alguns emblemas.

Compra, vende, esfrega as mãos de contentamento pelo lucro, que se danem as derrotas, o que importa é o saldo chorudo.

O meu futebol não é esse. O meu futebol é o do amor inexplicável e inegociável pelo jogo – antes de tudo o resto – e por uma equipa. Na vitória e na derrota, na crise e no júbilo, na saúde e na doença.

Volto ao Liverpool. E ao Liverpool de Klopp, clap, clap, clap.

Sabem há quantos anos os reds não ganham o campeonato inglês? 26, a contar já com a presente época.

Sabem que troféus conquistou o emblema de Anfield nesses tais 26 anos? Uma Liga dos Campeões – o milagre de Istambul, 2005 -, uma Taça UEFA (2001), duas Supertaças Europeias (2001 e 2005), duas FA Cup’s (2001 e 2006) e quatro League Cup’s (1995, 2001, 2003 e 2012).

Dez competições em 26 anos, nenhum campeonato inglês. Não é impressionante, principalmente se comparado com a era dourada de Bill Shankly e Bob Paisley: 11 campeonatos e sete taças europeias.

Não fosse o feito de 2005, com Rafa Benítez, na mais épica das reviravoltas, e seria pacífico afirmar que o último quarto de século do Liverpool é um deserto de vitórias.

E como respondem os conterrâneos de Lennon, McCartney, Harrison e Starr? Com fidelidade, com amor, devoção. O vínculo emocional é o pilar que sustenta a vida do clube de futebol.

Não, não me estou a esquecer do rude golpe, verdadeiro atentado ao coração romântico de Anfield, perpetrado em 2007. Os multimilionários George Gillet e George Hicks, homens de negócios, adquiriram o clube e semearam o medo.

Medo de perder a identidade, de perder o controlo sobre a cor, o emblema, sobre o ADN do Liverpool Football Club.

Em troca, os tubarões da banca injetaram uma apreciável soma de libras nos depauperados cofres da instituição. A relação mantém-se e não consigo, por ora, dizer objetivamente o que tem ganho e perdido o Liverpool.

Nos relvados, pelo menos aí, a entrada de Jurgen Klopp ressuscitou o inquieto espírito do Kop, o mítico setor de Anfield Road. Aquilo que vimos na vitória sobre o Borussia Dortmund – a entrega, o AMOR, a reação ao triunfo, as palavras e os abraços de Klopp aos jogadores – é a vitória do futebol que amo sobre os interesses mais ou menos escuros de fundos e investidores.

Infelizmente, uma vitória que nada tem de definitiva.

Inglaterra é um país especial. É, quiçá, o país onde as equipas de futebol melhor expressam a grandeza das cidades que representam.

Em Watford ama-se o Watford; em Birmingham ama-se o Aston Villa e o Birmingham; em Newcastle, ai de quem se subjugar aos poderes de Londres; em Portsmouth mandam os Pompeys.

No histórico do futebol português há cinco clubes campeões nacionais, duas exceções à ditadura dos três grandes; em Inglaterra há 23 campeões registados e o 24º está a caminho.

Do Leicester falarei brevemente. Com aplausos, claro. Clap, clap, clap.

O filme desta semana centra-se no Liverpool e na sobrevivência pós-Gillet/Hicks. Uma lição de amor, uma lição de ligação entre clube e bancadas. Temos tanto para aprender com isto.

PS: «People vs. OJ Simpson» - de Robert Levine e Jonathan Steinberg

Junho de 1994, os EUA asistem em direto a uma caça ao homem. Esse homem é um ser quase mitológico, adorado por todo o país: OJ Simpson, um dos melhores atletas no mundo do bizarro futebol americano.

A ex-mulher de OJ aparece morta. Ao lado do cadáver, o corpo também sem vida do suposto companheiro. Todas as provas apontam na culpabilidade de Simpson. Começa assim esta extraordinária série televisiva, guiada pelo talento de Cuba Gooding Jr. (OJ), John Travolta (o advogado Robert Shapiro, coberto de plásticas) e David Schwimmer, o Ross Geller, de Friends (Robert Kardashian).

Uma viagem pela nossa memória desses eventos. Narrada em detalhe e primor.

SOUNDCHECK:

«FIELDS OF ANFIELD ROAD»
A minha primeira memória do Liverpool na televisão é esta:

 

84, os reds foram diabos amarelos na Luz. Perguntei ao meu pai que equipa era esta, que clube ousava invadir a Luz e humilhar Manuel Bento, Álvaro e companhia (?). Ian Rush, Graeme Souness, uma equipa de muita qualidade.

Criei nesse momento simpatia e respeito pelo Liverpool. Passei a acompanhá-lo, a treiná-lo infatigavelmente no Championship/Football Manager, a evangelizar os meus colegas de escola. 

E passei a cantar Fields of Anfield Road. 

«Outside the Shankly Gates
I heard a Kopite calling :

Shankly they have taken you away
But you left a great eleven
Before you went to heaven
Now it's glory round the Fields of Anfield Road.

All round the Fields of Anfield Road
Where once we watched the King Kenny play (and could he play)
Steve Heighway on the wing
We had dreams and songs to sing
Of the glory round the Fields of Anfield Road».

PS: «Maps» - dos Message To Bears
Em Paz. Música de reconciliação, o Universo espalmado em notas musicais. A criação única de Jerome Alexander, multi instrumentista, geniozinho. Ao terceiro LP, a sintonia perfeita com este Moonlight. Um projeto de culto, profundamente alternativo, a pedir novos públicos e novos palcos. Maiores.  

VIRAR A PÁGINA:

«A SEASON ON THE BRINK» - de Guillem Balague
A primeira época de Rafa Benitez em Anfield. Viagem ao balneário, aos métodos do treinador espanhol, à radical transformação do clube após a saída de Gerard Houllier. E tudo acaba bem. Os reds superam o AC Milan na final da Liga dos Campeões, recuperando de um 3-0 para 3-3 e resolvendo a dura questão nos penáltis.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.