PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«AFRICA UNITED» - de Olaf de Fleur Jóhannesson
Dificuldades. O que são verdadeiras dificuldades no futebol? Ter de responder a algumas questões da comunicação social após um jogo da Liga dos Campeões?

Será assim tão dramático e aborrecido manter os níveis de paciência elevados no contato com os jornalistas? Mesmo quando as perguntas feitas não vão de encontro à visão que o entrevistado tem do tema?

Lembrei-me disto, das tais dificuldades, depois de ver há uns dias este documentário. Foi bastante premiado em 2005 e conta a odisseia de Zakaria Anbari, um marroquino que rumou à Islândia em busca de um sonho: ser treinador profissional.

Zakaria formou uma equipa a partir do zero. Juntou outros emigrantes, criou uma estrutura amadora e conseguiu inscrever-se na III Divisão islandesa. O documentário acompanha essa primeira época realizada num cenário profundamente adverso.

Anbari perde jogadores importantes, tem de lidar com espíritos inquietos, suportar derrota atrás de derrota, até vencer finalmente o primeiro jogo. Na última partida da temporada!

Dificuldades? Muitas, como bem retrata o realizador Olaf de Fleur Jóhannesson.

Ora, o meu próprio conhecimento empírico do jogo – 28 anos ininterruptos na pele de atleta federado – pode acrescentar a este exemplo outros da mesma dimensão.

Conto um, apenas um: jogo oficial, só 11 atletas disponíveis, um a sair a meio do jogo para responder a um dever familiar, chuva, lama e… vitória esclarecedora.

Aconteceu, aconteceu mesmo. Sei que é em defesa de causa própria, mas isto sim, é uma evidente dificuldade, mesmo que vivida num nível competitivo mais baixo.

Chego, por fim, onde pretendia. Já escrevi noutro artigo sobre a postura irritante de Jorge Jesus nas salas de imprensa. Junto agora o nome de Lopetegui ao do treinador do Benfica.

Estamos a falar de profissionais principescamente remunerados. E estamos a falar de treinadores de dois enormes clubes, ambos com milhões de adeptos à escuta.

Quando Lopetegui responde a um jornalista, está a responder às dúvidas e curiosidades do adepto comum. O jornalista não está na sala de imprensa a saciar a própria curiosidade. Está a tentar ser – às vezes com maior acerto, outras com menos – um elo de ligação entre o técnico e as pessoas quem o lê, escuta e vê em casa.

O reparo é sério porque Julen Lopetegui é um homem inteligente. Parece-me é estar enganado relativamente aos jornalistas com quem fala. Alguém lhe terá dito que todos estamos lá para envenená-lo, atraiçoá-lo, ludibriá-lo com perguntas incorretas.

Nada mais errado. Neste caso mais recente, após Basileia, Lopetegui até às perguntas favoráveis respondeu num tom agreste. Por estar convencido, lá está, de que há uma barricada a separá-lo do inimigo de microfone em punho. Não é assim.

O título deste PLAY fala em louvor ao técnico espanhol. Não me esqueci disso. O louvor abrange (quase) tudo o que não diz respeito ao comportamento do espanhol com os jornalistas.

Sim, sou um defensor da qualidade de jogo deste FC Porto. Lopetegui está a fazer um excelente trabalho e a saber injetar as suas ideias no plano de jogo da equipa. O que é, digo-o sem reservas, quase sempre o mais difícil para um treinador.

A forma como os atletas se movimentam, trocam a bola, tentam sair a jogar, evitam cair na frágil tentação do futebol direto: tudo isto demonstra o bom trabalho feito no laboratório do Olival. E as boas ideias do técnico, naturalmente.

E quem contestar isto recorrendo à lengalenga do «ah, mas com este plantel até eu», deixo uma sugestão: vejam como era o grupo de trabalho do FC Porto na péssima época de 2004/05, do Sporting com Balakov, Paulo Sousa e Figo, ou mesmo do Benfica de Jesus entre 2010 e 2013.

Jogadores de luxo e o mesmo resultado final: não foram campeões.

Não sei se o FC Porto de Lopetegui – que aplaudo, apesar de um ou outro jogo fraco – vai ser campeão ou não. Não tenho, porém, dúvidas de que é a equipa que mais e melhor futebol joga em Portugal por estes dias.   
     
Caro Lopetegui: dificuldades? Lembre-se do que passou Zakaria Anbari.

 

PS: «Whiplash» - de Damien Chazelle.
As mãos a sangrar de Andrew Neyman (Miles Teller) são uma metáfora perfeita para este filme. Para este grande filme, acrescento. Que bela surpresa! Poderoso, intenso, até perturbador.

Teller tem uma interpretação soberba no papel de aspirante a Buddy Rich, um dos melhores bateristas de todos os tempos. Mas o veterano J.K. Simmons consegue superá-lo. Na pele do execrável professor Fletcher, Simmons faz-nos recordar um sargento num campo de treinos militar.

Não é um dos favoritos a ganhar o Óscar de Melhor Filme, mas a nomeação é justíssima. E a banda sonora, que se confunde com o próprio filme, é notável. Mesmo para quem não aprecia jazz. O meu aplauso para o jovem realizador (30 anos) Damien Chazelle.  

 


SOUNDCHECK:

«STEVE BLOOMERS WATCHING» - de Robert Lindsay.


O hino oficial do Derby County é uma das canções mais encantadoras do planeta-futebol. O clube já conheceu dias de superior glória (está no segundo escalão), mas continua a ter uma mística peculiar. Ah! e que saudades de ver o eterno Peter Shilton a defender a baliza do Derby!  

«Our history's full of legends, And football played on high, Raich Carter, Peter Doherty, You should have seen 'em fly. Now we all just love football!»



PS: «The Magic Whip» - dos Blur.
Eu sei, eu sei. O novo álbum dos Blur – é tão bom escrever isto! – só sai em abril, mas já há um single disponível e eu tinha de trazê-lo para este espaço.

É verdade, é mesmo verdade. Albarn, Coxon, James e Rowntree estiveram cinco dias enfiados num estúdio em Hong Kong e gravaram todas as faixas do primeiro trabalho de originais em 12 anos.

Obrigado, rapazes! O primeiro single chama-se Go Out.

 


VIRAR A PÁGINA:

«SEA BISCUIT» - de Laura Hillenbrand.

A história deste cavalo de competição muito especial chegou em 2003 ao cinema, num trabalho do realizador Gary Ross e com Tobey «Spiderman» Maguire no principal papel. Mas o livro, criado dois anos antes, é mesmo arrebatador.

Se o caro leitor tiver tendência para a lágrima fácil, o melhor é preparar-se para dias de choro compulsivo. Não se esqueça de beber muita água. 
 


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