PLAY é um espaço de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«THE DAMNED UNITED» – de Tom Hooper.
«Como é que eu lido com os jogadores? Falámos francamente durante 20 minutos, trocámos ideias. No final decidimos que eu estou certo e fazemos o que eu quero».

Brian Clough, um espécime único na arte de comunicar.

O filme, já analisado pelo jornalista Nuno Madureira em outubro, é uma lição de teimosia, animosidade, carisma e coerência. Clough tinha tudo isto. Não deixava ninguém indiferente. Ao vê-lo nesta película, arrasador no discurso, lembrei-me de Paulo Fonseca. Tão diferente.

Porquê Fonseca? Por ser o treinador que mais se tem vergado às limitações impostas pelas draconianas regras de comunicação do seu clube. O FC Porto.

E que falta tem feito a Fonseca a liberdade de improvisar, de ser intenso, de expor as suas ideias sem constrangimentos, sem receio de desrespeitar a cartilha castradora que é forçado a seguir.

Entrevistei Paulo Fonseca em janeiro de 2013. É assustador constatar o que ele mudou. Publicamente, claro, não na sua essência como homem. Estou certo de que continuará a ser o mesmo ser humano educado, simpático e equilibrado. Seguramente.

O problema de Fonseca não é esse. O problema é ele ser incapaz de se libertar dos grilhões e da mordaça ao comunicar com os jornalistas (e, por consequência, com os adeptos). Ao não ser natural, Fonseca não é credível.

Considero-o um bom treinador. Conhecedor, aglutinador, capaz de unir um grupo que o respeite e siga. É, por isso, ainda mais deprimente vê-lo, semana após semana, a encarnar um papel que não é o dele.

Falta um lado de Clough ao treinador português. Veja-se o que disse esta semana: «é fácil dizer mal do FC Porto», «a análise que se faz ao futebol do FC Porto é geralmente depreciativa».

Mas, caro Paulo: será isto que os associados esperam ouvir do treinador da equipa? Não seria mais ajuizado e acertado falar do que vemos, do que sentimos, do que é óbvio e objetivo? O que podem/devem escrever/dizer os jornalistas quando a equipa joga mal e comete erros sem fim?

Desconheço o que diz Fonseca no balneário. Até pode ser um técnico duro e inflexível perante os lapsos da equipa. Talvez. O que vejo, nas salas de imprensa, é um homem a vender ideias em que nem o próprio acredita.

Falta instinto, falta liberdade, falta coração a Fonseca nestes contatos públicos. Se vir este filme sobre o homem que levou o modesto Nottingham Forest a dois títulos europeus, perceberá que o que lhe sopram ao ouvido nem sempre é o mais indicado.



PS: «The Book Thief» - de Brian Percival.

Uma rapariga, palavras, um homem com coração de acordeão, fanáticos Nazis, uma mulher de expressão dura e coração mole, um judeu habituado a fugir, um rapaz obcecado por Jesse Owens; a menina que rouba livros, bombardeamentos e a voz da morte.

O argumento é belo, as representações (Geoffrey Rush é extraordinário) pungentes, o cenário da vilazinha nos subúrbios de Munique é irrepreensível, o final comove e encaixa na perfeição.

Não está na corrida ao Óscar para Melhor Filme, uma pena. Os horrores da guerra pelo olhar de uma menina feita mulher demasiado cedo.



SOUNDCHECK:

«WE’RE IN THIS TOGETHER (Euro-96)» - Simply Red.
Só mesmo o futebol me faria falar sobre os Simply Red. My apologies, Mick! Esta é uma das raras boas músicas da banda inglesa. Surgiu de braço dado com o Campeonato da Europa e a melodia tranquila ficou comigo.

Do mesmo torneio prefiro, ainda assim, a «Football is coming home», dos Lightning Seeds.



PS: «Everyday Robots» - Damon Albarn.

O mestre de cerimónias dos Blur tem estreia a solo agendada para abril. O single do seu primeiro álbum já rola por aí e promete mais uma obra de coleção. Há um toque de Gorillaz, um pozinho de The Good, the Bad & the Queen e, claro, uma influência óbvia dos homens de Parklife. E a voz, a voz de Albarn continua irrepreensível.



VIRAR A PÁGINA:

«SOCCER: THE BRAZILIAN WAY» - Alex Bellos.
Bellos foi durante vários anos o correspondente do Guardian no Rio de Janeiro. O livro é uma deliciosa parada de personagens incomuns, um desfile de Carnaval com o futebol em cima dos carros alegóricos.

Bellos não se limita a ficar na Cidade Maravilhosa. Percorre o país do Mundial2014 de lés a lés e até arrisca uma viagem às Ilhas Faroe para entrevistar os futebolistas brasileiros nesse país isolado no Atlântico Norte.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.