«Não temos nada a temer. O nosso único medo era ver o céu a cair em cima de nós. Mas isso já aconteceu».

O céu, nas palavras de Spyridon Galinos, governador de Lesbos, é a enxurrada humana de refugiados que chega à costa norte da ilha, a zona mais dramática. Todos os dias, aos milhares. «Sete mil», acrescenta Galinos, pouco convencido. «Mas são mais, muitos mais».

O inferno humanitário aflige. Lesbos, pedaço de terra grego perto de território turco, 80 mil habitantes, é uma das principais plataformas de segurança para os que fogem do horror da guerra, do terror imposto pelos monstros do Estado Islâmico.

«Se uma pequena ilha como a nossa é capaz de lidar com isto, então o resto da Europa também tem de ser», insiste o político.  

Com a chegada do inverno, porém, a preocupação sobe de tom. E é aqui que entra o poder do futebol - o lado bom de um jogo tantas vezes incompreendido e mal tratado -, na face do Kalloni FC.   

«Todos os dias ao ir para o treino vejo refugiados na rua»

Mar Egeu, Norte de Lesbos, praias de Palios e Tsonia. Nas águas flutuam coletes salva-vidas, as areias estão imundas, cheias de garrafas de plástico, cobertores velhos, sapatos. E pessoas, homens e mulheres, velhos e crianças. Choram, quase todos.

Chegam duas carrinhas do Kalloni FC, carregadas de víveres essenciais. Água, comida, sobretudo fruta. Dezenas de seres humanos têm ali a primeira refeição recente em semanas.

Tudo fruto do extraordinário trabalho solidário desenvolvido pelo maior clube de futebol da ilha, em consonância com a sociedade civil e as forças políticas.

Embalagens de sobrevivência com o símbolo do Kalloni FC

Vítor Saba, médio luso brasileiro, 25 anos, é uma das principais figuras do Kalloni FC, 15º e penúltimo classificado do campeonato helénico. Em conversa com o Maisfutebol, Saba fala um pouco do clube e conta como tem sido viver num palco de comoção social.

«Todos os dias ao ir para o treino vejo refugiados na rua. Aqui é o mais normal, estamos todos a par do que tem ocorrido», conta Vítor Saba, antigo jogador de Flamengo, Brescia e Crotone (os dois últimos em Itália).

«O nosso clube desenvolveu uma grande operação solidária. As pessoas podem transferir dinheiro para uma conta solidária e ajudar com algum dinheiro. Mas podem oferecer roupa, comida, tudo isso. O clube recolhe e depois distribui pelos refugiados».

E problemas de segurança? Algum?

«Não, nada. Trabalhamos e vivemos tranquilos. O estádio é pequeno, leva pouca gente e sei que temos convidado refugiados para verem os jogos. Não existe um contato direto com essas pessoas, mas todos os jogadores tentam ajudar de alguma maneira»
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No verão, o fluxo violento de turistas quase fazia esquecer o que ocorria num dos pontos da ilha. Agora, com Lesbos entregue aos locais, o tema-refugiados ganha outra dimensão.

«É uma ilha paradisíaca, mas as temperaturas baixam muito. Há preocupação com o frio e com os abrigos para eles. Sei que há vários locais espalhados pela ilha onde podem ficar».

Lesbos ajuda como pode, ajuda muito. Recebeu à volta de 400 mil refugiados. Muitos, a maioria, prosseguiu viagem para outros países. 50 mil continua na ilha, entre o porto de Mytilene, a capital, e o campo de Moria.

Entretanto, todos os dias chegam mais embarcações. Os pedidos de ajuda não cessam.

Equipa do Kalloni FC antes de mais um jogo

«Tenho muito orgulho no meu passaporte português»


Futebol, agora. Vítor Saba diz que o nível da Superliga grega equipara-se ao da Serie B de Itália, onde jogou três anos. Isto, excetuando os grandes do país, claro.

«É um futebol físico, com muitas faltas. É um bom campeonato para se jogar»
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Vítor Saba nasceu no Rio de Janeiro, mas é bisneto de uma portuguesa. «Sim, de Aveiro. Adoro Portugal, já visitei Lisboa também. Tenho vários amigos que já jogaram no país».

Saba refere-se a «Souza (ex-FC Porto), Alan Kardec e Fellipe Bastos (ex-Benfica) e Maurício (ex-Sporting)»
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«Todos me falaram muito bem da liga portuguesa. Tenho orgulho de possuir o passaporte português»
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Até hoje, e apesar desta ligação a Portugal, Vítor Saba nunca recebeu nenhum convite para jogar cá. «Não, infelizmente não. Tenho muita vontade de jogar aí um dia e, se me derem uma oportunidade, com certeza irei».