O Maisfutebol desafiou os jogadores e treinadores portugueses que atuam no estrangeiro, em vários cantos do mundo, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:

HUGO VICENTE, TREINADOR DO BERGSOY IL (NORUEGA):

«Olá a todos,

Antes de mais quero agradecer o convite que me foi endereçado para participar neste espaço, o qual considero muito valioso para a partilha de vivências em contextos habitualmente diferentes dos nossos.

O meu nome é Hugo Vicente e tenho 36 anos. Desempenho as funções de treinador principal e coordenador técnico num clube na Noruega, o Bergsøy IL, que disputa a Divisão 3. Estou no clube desde fevereiro do passado ano, altura em que abandonei o cargo de coordenador técnico no Sporting Clube de Braga.

Sendo esta a minha primeira crónica acho que faz todo o sentido começar com uma introdução sobre quem sou e quais foram as minhas vivências, de forma a contextualizar tudo aquilo que vou escrever e opinar em futuras crónicas.

Sou responsável em Portugal há oito anos pela metodologia Coerver Coaching, considerado o método numero 1 do mundo de treino técnico (apesar de obviamente neste momento não estar em Portugal o que apenas é possível devido ao excelente staff de colaboradores que compõem o projeto), mas foi no futebol distrital onde tudo começou.

Comecei como treinador do Paio Pires FC, clube da região de Setúbal onde trabalhei em todos os escalões de formação, fui coordenador técnico e tive também as minhas primeiras experiências durante três épocas em futebol sénior.

Fui igualmente treinador no SL Benfica, nas escolas de formação, durante três épocas. Nesse período, tive o prazer de conhecer e trabalhar diretamente com treinadores de enorme qualidade, com quem pude discutir ideias com vários pontos de vista, que me fizeram crescer muito como treinador e ter cada vez mais certezas e incertezas sobre as minhas próprias ideias.

Fui também coordenador do projeto internacional do clube, intitulado The Benfica Way, com o papel de formador e responsável pelo staff técnico em eventos internacionais com o objetivo de dar formações e divulgar a metodologia de formação do clube para as etapas de iniciação.

Ao fim de três anos deixei o SL Benfica para ingressar num projeto que considerei muito aliciante no Sporting Clube de Braga, um clube e uma cidade que me marcaram imenso, por tudo o que conseguimos realizar e construir durante este período que certamente terá impacto grande na formação do clube nos próximos anos. 
 
Fui a convite do então coordenador da formação do SC Braga, Luis Martins, para exercer as funcões de coordenador técnico, com foco para as etapas de iniciação do clube, treinador de capacidades individuais – treino técnico individualizado com atletas de elevado potencial de toda a formação do clube, com foco principal no plantel de Juniores. Na última época acumulei também as funções de treinador principal da equipa de Iniciados C.


Após duas épocas e meia, decidi aceitar a proposta de vir para o estrangeiro e ingressar neste projeto do Bergsøy IL, perseguindo o desejo de me continuar a ‘desafiar’ quer como pessoa, quer como treinador de futebol, em contextos e em realidades futebolísticas diferentes, por considerar que tal é essencial para a minha evolução.

Vim para coordenar todo o futebol do clube, procurando - um pouco à imagem de que acontece em clubes como o Barcelona - criar uma identidade no clube, uma forma de jogar que tenha no futebol sénior uma referência para todo o modelo de formação e treino para as diversas etapas de formacão. O que o clube pretendia era exatamente isso, um caminho, um projeto, uma ideia conjunta, de clube, e essa é também a minha forma de ver a formação, em que o futuro está assente nos recursos que potenciamos.

O processo foi bastante simples. Tive conhecimento das intenções do clube, as quais estavam disponíveis no site da Associação de Treinadores da Noruega através de um anuncio de emprego, e achei interessante enviar um CV, não tanto por querer sair de imediato das funções que exercia, mas sobretudo por ser algo em que estava a pensar fazer a curto/médio prazo, e achei interessante perceber qual seria a aceitação do meu CV num outro país.

Fui contactado poucos dias depois pelo clube clube. Falámos e troquei ideias com um dos administradores do clube. Rapidamente, fui convidado a fazer uma entrevista aqui na Noruega, para conhecer o clube e o clube conhecer-me a mim. Assim aconteceu, vim até cá e após conhecer de perto o projeto, o clube, a cidade e a realidade/contexto em que está inserido, percebi que este tinha de ser o meu próximo passo, apesar de ainda hoje alguns dos meus amigos mais próximos acharem que fui maluco ao tomar esta decisão...


Um ano depois, continuo a achar que foi uma mudança essencial, uma vez que não podemos estar sempre a olhar para o que fizemos mas sim, olhar para o que aí vem e sempre a procurar continuar a desafiar e a evoluir... estar em mundos diferentes, com ideias diferentes e sobretudo a necessidade de nos reinventarmos e de provarmos a nossa competência por estarmos em novas realidades.

Considero que isso é essencial, pelo que estou muito contente em ter tomado esta decisão. Após a primeira época, renovámos o contrato até ao final de 2016 e é aqui na Noruega que para já faço planos para continuar, por achar que é uma realidade de me pode permitir crescer e a verdade é que me sinto muito bem neste país.

Ao nível do futebol, na equipa sénior, terminámos no 4º lugar na época passada, e este ano temos como objetivo terminar nos primeiros três lugares, sendo que apenas o 1º classificado terá acesso à divisão 2. É onde tambem queremos chegar, mas existe primeiro a preocupação em criar as bases para o futuro, pelo que não queremos fazer as coisas à pressa para chegar acima sem que em baixo haja uma reformulação e uma requalificacão dos recursos existentes de forma a podermos consolidar o projeto e torná-lo duradouro.
 
Este ano tive a possibilidade de trazer um colaborador, também ele português, de nome Pedro Espinha. Ele estava ligado ao SL Benfica e no futebol sénior exerce funções de scout/análise video. Para além disso, é treinador em 4 equipas (Juvenis e Iniciados, Masculinos e Femininos), o que é uma ajuda enorme no processo de formar treinadores para o futuro do clube, o que nos vai ajudar a passar e consolidar as nossas ideas de uma forma mais rápida e mais sólida, pois sendo dois treinadores totalmente identificados com a mesma forma de treinar e de pensar o jogo, aumentamos consideravelmente o nosso raio de ação, podendo estar mais próximo dos restantes treinadores em todas as idades.

Numa próxima crónica, procurarei fazer uma descrição do futebol aqui na Noruega, começando obviamente pela formação e pelas diferenças mais notórias que identifico. Algumas delas ajudam imenso a que este país seja o exemplo social que é mas muitas outras não favorecem a potenciação de atletas de elite para o futebol internacional.

Até breve,

Hugo Vicente»