Por una cabeza

todas las locuras

su boca que besa

borra la tristeza

calma la amargura.

Por una cabeza

si ella me olvida

que importa perderme

mil veces la vida

para que vivir...


O violoncelo e o violino dançam o tango de Gardel com o fumo de velas a queimar. Faço o sinal do Dez da testa ao queixo, persigno-me com reverência, terminando com os lábios sobre polegar e indicador. Caminho em silêncio, com medo de irritar Deus com o ranger do soalho da sua própria casa. O luto, reparo, é feito em tons de céu e branco, de cabeças baixas, mas sem lágrimas, como se a canção de Evita Perón tivesse laqueado os canais lacrimais de todos os rostos no meu rastro.

Encontro o confessor. Veste o 11 de Valdano e caminha elegante e de peito feito, com livros debaixo do braço, pronto a absorver as dores do mundo e resolvê-las como uma sentença. Hoje, odeio-o. Penitenciate! Gritou-me, irado, de cabelos em pé e chispando faíscas dos olhos raiados de sangue, quando confessei o pecado. Obrigou-me a ver uma compilação para maiores de 18 de Gentile, durante duas horas por dia até abstrair-me dos maus pensamentos, e ameaçou chamar Passarella para levar-me ao Purgatório ou Batista para acompanhar-me ao Inferno, se eu não conseguisse encontrar a salvação antes de morrer.

Já perdi a noção do que me trouxe até aqui. Geralmente, fico assim à terceira falta de Gentile, a quem, para ser protagonista de filme de horror, só falta a motosserra e a máscara de Jason Voorhees em Friday the 13th ou o preto-e-branco pudico de Tarantino quando Uma Thurman começa a rachar asiáticos ao meio em Kill Bill. Sei que estava como agora, preso às declarações de Messi sobre si próprio, sobre o que dizem dele, sobretudo Maradona. Shiuuuuu! Ele ouve tudo. Messi diz que não é e-go-ís-ta, Ma-ra-do-na diz que sim. Ele, Ma-ra-do-na, diz que sim.

Aquele jeito de levar a bola, com os três últimos dedos do pé esquerdo, o regate antes do remate ou do passe mortal, a mesma tentação de procurar a jogada do ano em cada posse de bola. Os cinco adversários do Pelusa frente à Inglaterra, os cinco opositores de Messi no encontro com o Getafe. La mano de Dios nessa desfeita a Shilton, a mão do acólito perante o Español, que enrouqueceu o jornalista no relato para a televisão nacional. Para mí es Diego, es el mismo tipo! Goooooooooool del Barça! Reencarnó. Yo no credo en esto, pero reencarnó! Aquele futebol de rua, cheio de poeira e meias cor de tijolo, a simplicidade com que as vírgulas surgem pelo campo, pequenas pausas num caminho aos ésses até à consagração final.



Sim, D10S é perfeito. Há os livres que ninguém conseguiu decalcar. A visão periférica, aquele passe para Cannigia que destroçou o Brasil ou o de quatro anos antes para Burruchaga, o do título mundial. Mas aquele golo na meia-final com a Bélgica, feito por si e apenas por si, com Olarticoechea e Valdano a cair na área sobre a esquerda e Burruchaga a chegar de trás, pela direita; num acesso de má vontade herética não poderia ser considerado egoísmo? Não, porque marcou. Resolveu, decidiu, foi genial. E Messi não? Incito o miúdo à revolta, quase dando murros ao portátil. Não tens de ser igual. Nem os gémeos são iguais. Reage, pá. Diz-lhe: Não me lixes, Diego. Sou eu, o Messi, lembras-te?

As paredes desabaram e o mundo desdobrou-se como num mau filme de ficção. Vi-me aqui sem perceber bem como, passaram-me à frente de uma longa fila de brasileiros com camisolas a idolatrar Pelé e obrigaram-me a esperar horas, numa sala com música ambiente.

Vamos, vamos Argentina,

vamos, vamos a ganar,

que esta barra quilombera,

no te deja, no te deja

de alentar.


Chegou Valdano e obrigou-me a repetir para a eternidade: Deus só há um!

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, editor do Maisfutebol, que escreve aqui todas as semanas.