Parecia uma doméstica a ver a novela das 6. «Olha ele ali atrás!», gritava. Mas não adiantava nada. Nunca adianta. Eu vi, Crespo viu, Blanc não viu. Começava o descalabro.

Era a final da Taça UEFA de 1999. De um lado o Parma, equipa que detestava desde sempre por motivos que nunca percebi. Por que sim, provavelmente. Motivo tão forte como todos os outros. Do outro o Marselha, equipa que não me dizia nada de especial mas na qual apostava as minhas fichas. Porque gostava do equipamento. Motivo tão forte como todos os outros. Se Postiga pode dizer isso ao ser apresentado no Tottenham, por que não eu?

Laurent Blanc, central de quem também nunca fui apreciador (quase de certeza por que sim), queria atrasar ao guarda-redes. Crespo, matador, estava atrás, apanhou a bola e fez o chapéu. Era o primeiro de três golos num jogo em que o Marselha, emprestado a mim por noventa minutos, nem respirou. Limpinho, limpinho, como diria o treinador do Benf…Sporting.

O Parma irritava-me. Nunca lhe achei piada. Não concebo que alguém que não ganha (quase) nada em casa ganhe tanto lá fora. E até me considero uma fashion victim do futebol.

Gostava da Lazio de Vieri, Nedved e Conceição. Torci pelo Real Madrid dos galácticos. Virei a casaca seduzido pelo perfume do Barça de Ronaldinho e, depois, da máquina de Guardiola. Sorri com o Chelsea de Mourinho. Caí, de amarelo e negro vestido, no Dortmund-Bayern de Wembley.

Mas o Parma não. Nunca. Nem com Crespo, nem com Verón, nem com Sensini, Cannavaro, Buffon. Nem com Couto. Nem com Conceição. Nem – e aposto que Miguel Sousa Tavares está do meu lado – com Varela. Oh se não…

Estarei, portanto, radiante com a queda abrupta de um ódio de estimação. Não. O que me irrita ainda mais.

Não acredito numa espécie de síndrome de Estocolmo, porque nunca vi o Parma como um algoz. Mas todo o herói precisa do seu némesis. O que seria de Harry Potter sem Voldemort? De Jacob sem o seu homem de negro? Da gilette sem Conchita Wurst?

E a somar a isso há a história, peça chave de todas as minhas crónicas. Por muito boa vontade que tenha, não é fácil escrever um «Cartão de memória» sobre o Carpi, o Eibar ou o Tondela. O Parma faz-me falta e isso irrita-me.

Como nunca outrora e como antes por Salgueiros, Boavista, Farense ou Chaves, vou torcer agora pelo Parma. Para que sobreviva à segunda falência em menos de dez anos, saia por cima, regresse e volte a chatear-me.

Torcer pelo Parma não faz de mim um vira-casacas. Não faz de mim pior pessoa, menos fiel aos meus princípios. Vou torcer pelo Parma para que tenha com quem me chatear. Para que eu possa, mais tarde ou mais cedo, colocar o ar de indignado que Carlos Cruz usava com o comediante do «Um, dois, três» e atirar: «Então você interrompe-me assim?».

Desejo mesmo ver o Parma voltar. Para perder, desta vez. Mas perder lá em cima, onde, e custa-me dizer isto, merece estar.

Porque torcer pelo Parma não é qualquer sintoma misericordioso, muito menos masoquista. Torcer pelo Parma é torcer por Crespo, Sensini, Canavarro, Couto e, vá lá, Varela. É torcer por aqueles adeptos que com o símbolo caíram e que verão quase todos virar-lhes as costas.

Torcer pelo Parma é torcer pela história. E o futebol sem história é muito menos feliz.
 
«Cartão de memória» é um espaço de opinião/recordação, com pontes para a atualidade. Por vezes sério, por vezes leve. Como o futebol, no fundo. Pode questionar o autor através do Twitter.  

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