PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«THE ARMSTRONG LIE» - de Alex Gibney
Construir ídolos no desporto. Criar um vínculo emocional com um desconhecido. Qual o processo para a entrada dessa referência - de importância incontestável - nas nossas vidas?

Nunca fui caçador de autógrafos, rejeitei sempre a idolatria simplista mas, como criança/adolescente apaixonado por várias modalidades, não consegui evitar a relativa obsessão por determinadas personagens.

Não muitas, cinco ou seis. Uma vénia, muito respeito e vamos a elas.

Diego Armando Maradona, D10S em carne e osso. Uma relação nascida no Mundial86, da qual já falei várias vezes no Maisfutebol. «Um velho amigo chamado Maradona».

Roger Federer. A elegância, a serenidade, a classe. Tudo num tenista singular, o melhor de todos os tempos. Tive o privilégio de entrevista-lo em 2005, em Lisboa. Tímido, sempre a sorrir, respostas hesitantes. Uma simplicidade desarmante.

Ayrton Senna e Nélson Piquet. Desenhávamos pistas de F1 na terra, pintávamos papéis com o Lotus e o Brabham, acrescentávamos caricas à brincadeira e as corridas no pátio da escola acabavam sempre com um dos brasileiros na frente.

Desde então, sem sucesso, tenho procurado outro piloto que me faça sofrer em frente à televisão. Ainda não desisti.

Michael Jordan, claro. A língua de fora, a aerodinâmica estampada no equipamento vermelho, a precisão e o poder no mais perfeito basquetebolista de sempre.

E Domingos Paciência. Um pele e osso, magricela genial. Driblador provocante: o que sempre sonhei ser e nunca fui capaz.

Neste grupo esteve, até há poucos anos, Lance Armstrong. Tive de riscá-lo. E custou, custou muito. As tardes que eu e um grupo de amigos perdemos a pedalar com Lance por aquelas inclinações suicidas...

As discussões ingénuas, sempre em defesa do americano. A narrativa perfeita. Um sobrevivente do cancro capaz de ganhar sete vezes o Tour. E tudo desabou, pouco a pouco, com as evidências recentes.

Há sempre uma razão para criar um ídolo no desporto. Precisamos de tê-los, temos a necessidade de sentir o que sentem, defendê-los sempre. Mas quando perdemos um, da maneira que perdemos Armstrong…

Vi na passada semana o documentário realizado por Alex Gibney. Começou por ser um projeto destinado a imortalizar o mito. O regresso em 2009 ao Tour, a expetativa de mais vitórias… e acabou tudo estilhaçado pelo colapso de Lance. O documentário resistiu, mas o tom mudou radicalmente.

Uma peça de coleção.



PS: «Still Alice» - de Richard Glatzer e Wash Westmoreland.
A interpretação de a Julianne Moore valeu-lhe um merecidíssimo Óscar. É notável, de facto. A atriz de 54 anos é neste filme Alice Howland. Mãe de três filhos, bem sucedida, inteligente. Quando lhe é diagnosticada a Doença de Alzheimer, o seu mundo é testado a níveis absolutamente insuportáveis.

Comovedor, forte, o retrato triste de várias vidas também tocadas por esta patologia arrasadora. Para ver, viver, sentir, chorar. Até os durões vão quebrar com o trabalho extraordinário de Moore nesta película.  

  


SOUNDCHECK:

«MOLOTOV» - dos Illya Kuryaki and The Valderramas.
Ao pegar no álbum desta dupla de Buenos Aires, a curiosidade desportiva superou a curiosidade artística. The Valderramas. Bem, isto só podia ser bom, só podia ser uma homenagem ao genial (e farfalhudo) colombiano.

Escutei muita coisa, reprovei quase tudo, mas retive algumas músicas interessantes. Esta, que vos apresento, por exemplo.

Já agora, Ilya Kuryaki era o nome de uma personagem (um espião soviético) de uma série de grande sucesso nos anos 60: The Man From UNCLE.

Influências da banda? Michael Jackson, Prince, Jamiroquai, Wu-Tang Clan, funk e disco dos 70’s e 80’s. Um cocktail perigoso.  

 

PS: «Policy» - de Will Butler.
Nos Arcade Fire, Will é mais do que o irmão de Win, frontman da banda canadiana. Toca sintetizadores, baixo, guitarra, percussão e compõe vários temas. Nos espetáculos é um dos mais entusiasmados em cima do palco.

Estreia-se a solo com este Policy, lançado na passada semana, e dá um passo seguro nesta independência criativa. Will diz que passou a vida toda a ouvir Violent Femmes, The Magnetic Fields e Bob Dylan, aproveitando agora para homenageá-los num trabalho de grande harmonia, apesar da diversidade musical em que assenta.

Electro-rock, baladas, disco apocalíptico, convulsão de refrões. Há muita coisa boa, a começar por Anna
  



VIRAR A PÁGINA:

«O Futebol no Porto» - de Manuel Dias.
Regresso ao passado, corredores da memória povoados por uma escrita cuidada, castiça, familiar. O saudoso Manuel Dias escrevia como ninguém sobre a sua cidade.

Em 2001 lançou esta obra sublime, espelho de realidades peculiares e sentidas na primeira pessoa. Onde se fala não só do FC Porto, mas do Boavista, do Leixões, do Salgueiros ou do Académico.

Um livro de pronúncia acentuada e inegável orgulho. «Das origens com port wine ao estatuto de força social», prefácio de capítulos extraordinários. «Pé descalço e fé em Deus», «Os filhos do país de marinheiros», «O amador compulsivo».

Nascido na típica freguesia de Vitória – agora integrada na União das Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória -, Manuel Dias passa para o papel o amor pelo Porto e aproveita o desporto para lhe fazer uma dedicatória sentida.

Uma obra com 14 anos e uma mensagem de urgência óbvia: descubram a história do futebol na cidade do Porto.     

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.