Irmãos por afinidade nos relvados, compadres e amigos «eternos» fora deles. Pelé e Pepe, Pepe e Pelé. Dupla inesquecível no inesquecível Santos dos anos 60, companheiros nas epopeias polidas pela selecção do Brasil nos Mundiais de 1958 e 1962. Uma amizade assim não é corrompida pelo tempo, não cansa, não desgasta.

Na hora de soprar as 70 velas do «maior dos génios», Pepe desfila ao Maisfutebol um sem número de histórias até agora fechadas a cadeado no passado. O Canhão da Vila, como ficou conhecido, fala do Rei sem se cansar.

«Ele era o 10 e eu o 11. Toda a vida ouvi que eu era bom porque jogar ao lado do Pelé era fácil. Que imbecilidade», diz Pepe, quase ofendido. «Jogar ao lado dele era dificílimo. O homem pensava sempre cinco segundos antes de todos os outros. Quando eu olhava ele já não estava lá.»

Memória contumaz, fresca, pronta a emular o peso de 75 anos «bem vividos». «Ele é um E.T., veio de Saturno. É por isso que eu me considero o melhor marcador de sempre do Santos. Concorrer contra um alien não é justo para um humilde humano como eu.»

Um árbitro expulso na Colômbia...

Lado a lado, apoio fraternal, sem qualquer ponta de inveja ou ciúmes. Pepe é um filantropo das palavras, um mecenas dos elogios sinceros ao «xará», a palavra que mais vezes utiliza. «O rapaz era perfeito dentro do campo. Tinha remate, velocidade, arranque, impulsão e também sabia ser duro. Mas o melhor de tudo era a forma como tratava a menina dele, a bola.»

Anos e anos de cumplicidade, parelha conspícua e canonizada nos anais do futebol. Pepe foi «colega, irmão, pai e treinador» de Pelé. Na primeira fila, embasbacado, assistiu ao fulminante disseminar da fama. Rei, caixa alta, Rei.

«Vivemos dias gloriosos. Certo dia», narra, «fomos à Colômbia, para um amistoso contra o Millionarios. As bancadas estavam repletas, havia gente no relvado e o jogo lá começou. Por volta dos 25 minutos, o árbitro expulsou o Pelé. Ele saiu do campo, foi para o balneário e a partida continuou. Mas por pouco tempo», relembra Pepe, ansioso por uma risada.

«De repente, percebemos que o próprio povo colombiano protestava. Eles estavam ali para ver o Pelé e mais ninguém. Pois bem, o empresário que organizou o jogo invadiu o campo, expulsou o árbitro e foi chamar o Rei de volta aos balneários. Só assim a populaça sossegou.»

... e um rapto amigável nas Caraíbas

Há mais. Das digressões do Santos pela Europa, América do Norte e Caraíbas sobraram episódios que parecem saídos directamente de um conto de encantar. «Certo dia», embala o senhor Pepe, «fomos a Trinidad e Tobago. Eu já era treinador do Santos. Aos 43 minutos o Pelé fez um golo de cabeça e a reacção dos adeptos foi incrível. Invadiram o campo, pegaram no Pelé às costas e saíram dali com ele. Raptaram-no!»

Da relva queimada ao alcatrão sujo de Porto of Spain foi um instantinho. «Eles desapareceram com ele por lá fora. Ficámos preocupados, claro. Sem razão. Eles só queriam passear com o melhor do mundo e levá-lo ao hotel.»

«O Pelé existiu mesmo»

Pepe, José Macia de baptismo, passou por Portugal entre 1987 e 1989. Foi treinador do Boavista, liderado na altura pelo major Valentim Loureiro. As «saudades» da cidade do Porto multiplicam-se por 1000 ao falar de Pelé e dos «bons velhos tempos».

«Éramos jovens, tínhamos sonhos e alcançámos quase todos eles. Nos dias de hoje, o Pelé voltaria a ser o melhor do mundo. Com os recursos que existem, marcaria 1500 golos e saía a sorrir como sempre fez.»

Na despedida, um recado aos mais jovens, os que só conhecem o Rei da televisão e dos livros. «O Rei Pelé existiu mesmo. Podem não acreditar, mas ele existiu e eu confirmei isso de perto.»

«Obrigado, xará