DESTINO: 90's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's. 

«É engraçado que muitas vezes lembrámos mais depressa os momentos maus do que os bons». Russell Latapy, o primeiro jogador de Trinidad e Tobago a atuar na Europa, fala assim quando confrontado com os tempos mais marcantes da carreira.

No FC Porto, Latapy foi bicampeão nacional e participou em provas europeias. E há um jogo, entre tantos, que não esquece. Mas, lá está, não é pelos melhores motivos.

Em 1994/95, o FC Porto chegou aos quartos-de-final da extinta Taça das Taças. Enfrentou a Sampdoria de Sven-Goran Eriksson e até foi a Itália vencer por 1-0, com um golo de Iuran. Contudo, levaram troco nas Antas, pelo mesmo resultado, e o jogo apenas decidiu-se nos penaltis.

Latapy foi chamado a converter um deles. Falhou. «As pernas não tremeram», garante. Foi azar, portanto. «Nos treinos estava a marcar bem para aquele lado. Não falhava um. Depois no jogo bati com pouco força, tentei colocar, mas o guarda-redes adivinhou. E depois eles foram cinco marcar e o Vítor não teve hipóteses em nenhum…», lamenta.



Nesse mesmo ano, outro jogo ficou-lhe para sempre por motivos maus. O FC Porto empatou sem golos no campo do União da Madeira, mas o resultado não foi o pior. Para a história ficou uma entrada duríssima de Latapy sobre Jokanovic, que acabou por lesionar gravemente o rival.

«Não foi com maldade, nunca quis magoar um colega de profissão. Entrei duro, sim, mas sem maldade. Ainda bem que, anos depois, consegui falar com ele, pedi-lhe desculpas e deu para resolver as coisas. Hoje se nos encontrarmos falamos e esquecemos isso», conta, satisfeito.

Latapy fez 21 jogos no primeiro ano de dragão ao peito. No segundo chegou aos 34. Entre as duas temporadas marcou sete golos. Era já um dragão de corpo e alma quando rumou ao Boavista.

«No FC Porto o mais importante é perceber o espírito daquele grupo e aquela vontade de ganhar. Havia jogadores como o João Pinto e o Jaime Magalhães que tratavam logo de passar a mística do clube», recorda.

E entre os companheiros, havia um especial. «Era o meu colega de quarto. Sabe quem era? O Paulinho Santos! (risos) Ainda hoje temos uma amizade muito grande. Mas também com o Rui Barros, Domingos, Vítor Baía…», enumera.

«Portugal ajudou a desenvolver o futebol de Trinidad»

Nos dias que correm Latapy está na Escócia. Foi para lá que foi jogar em 1998, quando deixou o Bessa. Passou por Hibernian, Glasgow Rangers, Dundee United e Falkirk. Agora é adjunto de John Hughes, que o treinou precisamente no Falkirk. Trabalham no Inverness desde janeiro.

«Está a correr bem. Estamos a começar o campeonato, mas conseguimos mudar a forma como a equipa jogava. Acho que mudamos para melhor», elogia.

«O futebol é a minha vida. Sempre estive ligado ao futebol. Joguei até muito tarde, fui treinador-jogador, estive dois anos na seleção de Trinidad e Tobago, primeiro como adjunto, depois como selecionador principal. Quando saí, como estava do outro lado do mundo, não foi fácil voltar a encontrar um clube na Europa. Aproveitei para tirar o IV nível de treinador, estive em Portugal, no Boavista, a trabalhar com o Petit e fui convidado depois para voltar à Escócia pelo meu amigo», continua.

Para Portugal só tem elogios. Até gostava de voltar para, quem sabe, assumir uma equipa como técnico. Afinal, tem uma dívida de gratidão para com o país.

«Quando eu, o Clint e o Lewis viemos para Portugal foi uma grande novidade em Trinidad. E foi bom para o país. Elevou o nível do futebol. Não só porque aprendemos muito, ganhámos experiência e a passamos para os outros quando íamos jogar pela seleção, mas também porque os outros viam-nos e pensavam: se eles conseguem, nós também podemos. Portugal ajudou muito a fazer crescer o futebol de Trinidad», defende.

Um Felgueiras-FC Porto com golos de Lewis e Latapy:



«Mundial 2006 foi um sonho e um prémio para mim»

Para o final fica a história mais bonita da carreira. O conto de fadas que colocou num Mundial de futebol a pequena ilha caribenha de Trinidad e Tobago. Aconteceu na Alemanha, em 2006. Latapy, pela norma, deveria assistir de fora. Mas, aos 38 anos, foi um dos líderes daquele grupo.

O outro era Dwight Yorke, avançado que se notabilizou no Manchester United campeão europeu de 1999. Foi ele o responsável pela ida de Latapy ao Mundial.

«Fui titular, pela primeira vez, da seleção com 16 anos. Só deixei aos 38. Mas nesses vinte e poucos anos, houve alturas em que achei que era melhor focar-me só no meu clube. Deixei a seleção três ou quatro vezes», lembra, entre risos.

Por isso, achava que o sonho do Mundial já tinha passado. Até que, como quando surgiu a oportunidade de vir para Portugal, o telefone tocou. Era Yorke.

«Eu sabia que Trinidad tinha possibilidades de se apurar para o play-off do Mundial. Ele dizia-me que a equipa era boa mas não tinha experiência. Precisavam de alguém como eu no meio-campo. Falámos quatro ou cinco vezes durante seis meses até que eu aceitei. Disse-lhe: faço esses dois jogos que faltam», conta.

E fez. Trinidad apurou-se e Latapy aceitou ajudar também no play-off com o Bahrain. Novo sucesso. Só faltava o Mundial e o médio foi convocado, aos 38 anos.

«Foi um sonho e, ao mesmo tempo, um bom prémio pela minha carreira», remata.