«Zlatanera? É fazê-lo à moda de Zlatan. Estou a dar uma palavra ao mundo»

A palavra existe no dicionário sueco desde dezembro de 2012. Acredite. Significa algo como «o domínio de um jogador sobre o seu adversário».

No mundo de Zlatan Ibrahimovic, tudo é possível. Desde que gire em torno da sua figura.

Zlatan cresceu em Rosengrad, um bairro de imigrantes na cidade de Malmo. Filho de um bósnio e de uma croata, teve uma infância difícil com poucos meios, demasias influências negativas em seu redor.

Olho para aquilo e aplaudo o talento, o triunfo na adversidade. Nasceu com um dom e não o desperdiçou. Mas penso: se Cristiano Ronaldo fosse assim, ou se Zlatan fosse português, teríamos a paciência para o seu feitio?

Ter um dom nem sempre basta. Por cada golo de antologia, por cada obra de arte inigualável, encontro o relato de um excesso, de um acesso de fúria injustificável, uma demonstração de sobranceria. Ao longe, achamos piada. Não é nada connosco.

Zlatan roubava bicicletas para chegar aos treinos do Malmo. Ele explica: em Rosengrad era assim. Serve de desculpa?

As bicicletas, aliás, acompanham Zlatan Ibrahimovic desde então. A que utilizou frente a Inglaterra, candidata suprema ao Prémio Puskas, é a fantasia em todo o seu esplendor, o futebol reduzido a um momento de inspiração, ao talento individual, ao gosto pelo risco.



Zlatan é risco. É fugir à matriz, às fundações de um jogo coletivo e seguir o seu instinto. Nos tempos livres, joga ténis e adora: não depende de ninguém, joga por si e para si. Faz sentido.

Todos conhecemos alguém assim: um sujeito com um talento enorme e um feitio incontrolável. É e sente-se especial. Considera-se único e exige ser tratado como tal.

Se é um companheiro de equipa e precisamos de uma vitória, somos capazes de o ir buscar a casa. Uma, duas, não três vezes. Se é um colega de trabalho, acabamos por nos fartar. Se é ou era um amigo, deixamos de atender chamadas para não aturar o seu ego.

Zlatan Ibrahimovic foi criticado por companheiros de equipa desde cedo. Hans Mattisson, o capitão do Malmo, não o escondia. O treinador, pelo contrário, tentava desculpá-lo, lembrava o passado, as origens, as dificuldades. É natural: precisava dele.



Zlatan mudou pouco desde então. Enquanto jogador do Ajax, lesionou Van der Vaart num Suécia-Holanda e agrediu Mido no balneário. Em 2003, decidiu converter uma grande penalidade frente a San Marino contra as indicações do treinador. Três anos depois, virou costas à seleção por incompatibilidades com Lars Lagerback. Voltou rapidamente, ainda assim.

Mourinho conseguiu domar o avançado, transformá-lo num leão, mas o sueco falhou em Espanha, quando percebeu que o Barcelona não iria girar em torno de si. Zlatan é assim. Em 2010 deu uma cabeçada em Onyewu, no ano seguinte deu um soco em Marco Rossi e um estalo em Salvatore Aronica.

Os seus pontapés em companheiros de equipa são outra imagem de marca: Cassano, Wilhelmsson e Strasser que o digam. Já no PSG, foi castigado por agredir Ruffier e punido pela UEFA após um pisão a Guardado. Em Maio, dediciu gritar com Leonardo, diretor desportivo do clube. A lista não tem fim.

Como se dizia no século passado, leva lá a bicicleta. O mundo de Zlatan é encantador mas apenas à distância. Na minha equipa, não jogava. Se o caro leitor critica os pontuais excessos de Cristiano Ronaldo, pense duas vezes: há sempre alguém bem pior que ele.

PS: este artigo foi escrito com a música de Sefik Ibrahimovic a ecoar pelas paredes. Sim, o pai. Aqui fica, só pela curiosidade. 



Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)