Se o caminho da psicologia, área do conhecimento científico e universitário, só agora está a começar a ganhar algum terreno, a verdade é que sempre houve no futebol português uma especial tendência -- mais escondida do que assumida -- de recorrer a «ajudas externas» para conseguir ganhar. Esse tipo de «ajudas» passam por pequenas superstições, rituais de repetição e, por vezes, mesmo pelo recurso a «bruxos» e «parapsicólogos». Como é que um psicólogo do desporto encara e explica esta tendência? Será que psicologia e parapsicologia são incompatíveis? Veja as respostas.

MAISFUTEBOL -- Como é que um psicólogo vê o recurso mais ou menos escondido a bruxos e parapsicólogos no mundo do futebol?

Jorge Silverio -- Não é politicamente correcto, em termos de psicologia, o que vou dizer, mas vem no livro e posso sublinhá-lo: se nós tivermos um ritual que nos ajude, por exemplo o jogador que entra sempre com o pé direito -- um ritual no sentido de hábito, não no sentido de superstição --, se isso servir para acalmar o jogador, tudo bem. Não vejo um problema especial nisso. A questão está se nalgum momento esse ritual não puder ser cumprido: se levo sempre uma meia não sei como e naquele dia o raio da meia não aparecer no armário, eu corro o risco de ficar desconcentrado por causa disso. Entro no jogo a pensar que por não ter encontrado a meia, não vou jogar bem. Aí esse ritual vai-me ser prejudicial. Nada contra esse tipo de rituais, mas tudo mal se alguma coisa falhar nesse ritual, porque me vai desconcentrar.

MF -- Como é que o psicólogo gere esse tipo de riscos?

JS - Há que encontrar o ponto óptimo na relação entre o rendimento do jogador e seu nível de ansiedade. Há jogadores que rendem o máximo mantendo-se calmos e tranquilos, outros que só jogam bem quando estão eufóricos. Há jogadores que precisam de determinados rituais. Tudo bem. Há que controlar isso e explorá-lo da melhor maneira.

MF -- E coisas que vão mais para a... bruxaria?

JS -- É assim: as pessoas recorrem a esse tipo de coisas quando estão desesperadas. Foi o caso no ano passado de toda aquela história com o Alexandrino. Mais uma vez, estamos a atribuir os nossos resultados, os nossos sucessos e insucessos, a factores externos. Devo atribuir os meus resultados a mim mesmo: vou jogar bem, porque sei jogar bem! Tenho os meus níveis de concentração, os meus níveis de ansiedade controlados, treinei em termos físicos, treinei em termos mentais, por isso estou no máximo do ponto de vista psicológico. Por isso, tem que depender de mim, não dos outros: não do árbitro, não do bruxo, não de factores externos. É como a história dos treinos à porta fechada: eu treino à porta fechada e depois chego ao jogo e tenho um gajo a cuspir da bancada e fico afectado com isso. Ora, numa situação de treino, deve-se simular com a maior semelhança possível o que se vai passar no jogo. Está a chover e vou treinar para o pavilhão. Mas pode chover no dia do jogo! A preparação psicológica passa, também, por uma simulação do ambiente que vou encontrar na competição.

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