O psicólogo pode ajudar a que um atleta ultrapasse um trauma, um bloqueio, problemas que se passam na cabeça de um desportista e que o podem mesmo impedir de atingir a glória. Mas Jorge Silvério faz questão de explicar que os casos-limite não devem ser generalizados: mais importante, talvez, será olhar para os «95 por cento de casos normais» e fazer um trabalho continuado. Porque mesmo a «normalidade» deve ser acompanhada...

MAISFUTEBOL - O psicólogo poderá ajudar a resolver casos-limite de bloqueios, como o de Mamede nos Jogos Olímpicos, ou de Ronaldo na final Brasil-França?

Jorge Silvério - É evidente que uma das suas funções será essa. Mas devo dizer que esse tipo de casos serão apenas cinco por cento dos casos gerais. Mais importante, se calhar, será olhar para os outros 95 por cento. Com esses outros 95 por cento, falamos de estratégias desenvolvimentais. O que é que isto quer dizer? Vamos imaginar uma equipa de futebol no início de uma época. Eles fazem aqueles testes todos, muito rigorosos, em termos físicos, para ver como estão os jogadores, para saberem quais são as cargas de treino a desenvolver... Mas, ao mesmo tempo que se faz isso em termos físicos, deveria fazer-se do ponto de vista psicológico. Ou seja: saber o que é os jogadores precisam, que tipo de ajuda psicológica, que técnicas de relaxamento devem fazer, de visualização, de motivação, de coesão. Isso é importante para planear o treino matinal, prever as alturas em que as coisas vão complicar mais e aí terei que intervir de forma mais específica. Ao longo da época, o trabalho psicológico terá, por isso, que ser integrado no trabalho físico. E é isso que falta: prever a vertente psicológica.

MF - Isso pode marcar a diferença?

JS - Pode, porque hoje em dia, as equipas, no seu geral, trabalham todas ao mesmo nível. Treinam todas muito em quantidade, com níveis de exigência física muito elevadas. Todas têm preparador físico. Por isso, não será por aí que se consegue fazer a diferença. A diferença faz-se através dos factores psicológicos. Pode chegar a ser uma enorme diferença.

MF - No último Boavista-Sporting, por exemplo. Aquele jogo tão táctico podia ter sido resolvido por um factor mental?

JS - Claramente. O exemplo das bolas paradas mostra isso. Num dos últimos campeonatos do mundo, 60 por cento dos golos apontados foram-no de bola parada. Agora, podem dizer-me assim: mas os lances de bola parada treinam-se no campo. Marcação de um livre, põe-se a barreira e tal... É verdade. Mas a questão é que também se treinam mentalmente. Como? Visualizando o sucesso desse movimento. Se, mentalmente, treinar um movimento bem sucedido, eu vou integrá-lo no campo. E a probabilidade de ter sucesso nessa lance é muito maior. No Boavista-Sporting, o jogo foi muito táctico, com muito poucas oportunidades. Se calhar aí, um golo de bola parada teria feito a diferença.

MF - Maradona falhou grandes penalidades em momentos decisivos. Dois deles diante de Ivkovic. No segundo havia grandes probabilidades de falhar...

JS - No segundo havia, sem dúvida. É nessas situações que é importante um treinador conhecer as características dos seus jogadores. Esse exemplo lembrou-me o caso do Varzim no início da época. Três ou quatro penalties seguidos que falharam. Como é que esse problema deve ser resolvido? É muito simples: treinando. Mas treinando não só fisicamente, mas mentalmente. Visualização, relaxamento... Num penalty, a responsabilidade está no marcador, não está no guarda-redes. Se o guarda-redes sofre o golo, tudo bem, era o mais provável. A ansiedade está do lado de quem marca. Se esse marcador treinar a sua parte mental, tem muito mais probabilidades de ter sucesso. Mais uma vez, a questão da visualização: o Mike Powell, quando bateu o recorde do salto em comprimento, logo a seguir ao Carl Lewis o ter feito, em dois recordes seguidos após vários anos sem ser batido, logo a seguir ao feito o Mike Powell disse assim: 'não foi a primeira vez que bati o recorde do mundo, porque na minha cabeça já o imaginei várias vezes'. No fundo, tudo se resume a esta ideia.

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