«Como ganhar usando a cabeça» é um livro destinado a jogadores, dirigentes, treinadores, árbitros, jornalistas e outros agentes ligados ao fenómeno do futebol. Foi escrito por Jorge Silvério, professor de Psicologia da Universidade do Minho, e por Rafi Srebro, professor israelita do departamento de Ciências Comportamentais da Universidade Ben-Gurion.

A ideia foi disponibilizar um «manual de treino mental para o futebol». Trata-se de tentar fazer um guia prático, escrito numa linguagem simples, ao contrário da maior parte das obras sobre futebol publicadas em Portugal. Um projecto que contou com o apoio a Federação Portuguesa de Futebol e ao qual aderiram figuras de topo do futebol português, como o seleccionador António Oliveira e Rui Costa, estrela do Milan e a selecção nacional.

O Maisfutebol antecipa a apresentação pública do livro -- que ocorrerá no dia do Portugal-Brasil -- com a pré-publicação do primeiro capítulo e com uma entrevista a Jorge Silvério. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto, tem uma Pós-Graduação em Desordens da Ansiedade e do Humor pelas Universidades de Maastrcht e Oxford e foi o primeiro mestre em Psicologia do Desporto no nosso país.

MAISFUTEBOL - O que o levou a escrever este livro?

Jorge Silvério - Duas razões, sobretudo. Uma tem a ver com o facto de existirem poucos livros ligados à psicologia desportiva em Portugal. E os que há são muito científicos. Quando digo muito científicos, quero dizer que têm termos muito complexos e mais vocacionados para os professores universitários, mais virados para dentro. Queríamos, por isso, escrever uma obra não tão fechada. Queríamos uma coisa acessível, com uma linguagem simples. Chamamos-lhe até um manual de exercícios, com uma linguagem muito acessível.

MF - Falou em «queríamos» porque não é o único autor da obra...

JS - Exacto. Escrevi este livro em parceria com um professor israelita, chamado Rafi Srebro. No outro dia, alguém me perguntava se eu achava que o livro ia ter sucesso. Acho que vai, porque as pessoas mais ligadas ao fenómenos, sejam eles jogadores, árbitros -- os dirigentes talvez um bocadinho menos... -- estão com uma enorme sede de saber mais sobre esta área. Basta ler os jornais desportivos e vemos que todos os dias estes agentes falam de motivação para explicar derrotas, falam de ansiedade. Tudo isso tem a ver com factores mentais. Atribuem-lhes grande importância, mas depois não sabem trabalhar estes aspectos. Este livro aponta exemplos práticos e pode ajudar os agentes do futebol a evoluir.

MF - Quanto tempo demorou a escrever o livro?

JS - Foi um processo longo. Durou cerca de dois anos, no total, mas claro que não fiz só isso durante esse tempo. A ideia foi surgindo em conjunto com esse professor israelita. Conhecemo-nos nalguns congressos internacionais sobre o tema. Começámos o trabalho e ele foi avançando à distância, com e-mails que fomos trocando com os textos... Depois, apresentei o projecto ao vice-presidente da Federação, João Montenegro, que se mostrou entusiasmado e foi fundamental na concretização deste livro.

MF - Como explica que num país em que o futebol atrai multidões, haja tão pouca literatura científica publicada sobre o assunto?

JS - Falando concretamente de psicologia do desporto, ainda há muito pouca gente em Portugal especializada nessa área. Daí os poucos livros escritos do ponto de vista científico sobre o futebol. Acho que não estou a cometer nenhuma asneira se disser que não existia nenhum livro destinado ao grande público sobre a matéria. A nível do desporto em geral, talvez comece agora a verificar-se um maior interesse da investigação científica e académica do fenómeno desportivo. Dois bons exemplos disso são os livros do Carlos Carvalhal e do Rui Quintas, publicados há poucos meses. Estamos numa fase de transição.

MF - Uma transição que permitirá olhar a componente psicológica de forma mais aberta?

JS - Sim. O futebol nunca conviveu muito bem com essa componente. Sobretudo a nível dos treinadores, as mentalidades estão a mudar. Há uma maior abertura. Já tive oportunidade de ser prelector de alguns cursos de treinadores e houve bastante interesse.

Mentalidade está a mudar

MF - Quem vão ser, na sua opinião, os leitores deste livro? Jogadores, treinadores?

JS - Talvez mais os treinadores, mas a minha esperança é que muitos jogadores o vão ler. Do que tenho a certeza é que este livro terá muito mais saída hoje do que teria se fosse escrito há dois ou três anos. Nem é preciso recuar mais. Agora, acho que a mentalidade dos jogadores está a mudar. Mas não são só os mais falados, aqueles que foram lá para fora. Ainda recentemente, tive uma boa surpresa: estive num curso do primeiro nível em Aveiro, onde estão inscritos seis ou sete jogadores do Beira Mar. A maneira como eles falam sobre as coisas, se interessam pelas coisas e abordam as questões prova que, hoje em dia, os futebolistas são, na sua generalidade, pessoas interessadas e bem formadas. 

MF - Ao contrário da imagem que o senso comum ainda mostra de um futebolista...

JS - Pois, mas no geral ela já não corresponde à verdade. A sociedade portuguesa evoluiu muito, não nos podemos esquecer disso. Os futebolistas fazem parte dessa sociedade. Basta lembrarmos as mudanças que esta sociedade sofreu depois do 25 de Abril. Mas no caso concreto do futebol, acho que o aumento da profissionalização, a emergência das sociedades anónimas foram cruciais para que esse salto fosse dado. As exigências são maiores e os jogadores sentem que já não basta fazer os treinos físicos, é preciso saber algo mais. Os factores mentais englobam-se nessa mudança.

MF - Em que amostras se baseia o trabalho que está na origem deste livro?

JS - A amostra tem a ver com a minha experiência e com a experiência do meu colega de Israel. Ele trabalhou alguns anos no futebol de Israel. Quanto a mim, trabalho com alguns jogadores de futebol e estou há sete anos na equipa de natação do Braga. Trabalho também com outras modalidades, como ginástica, automobilismo... Aproveitámos essa experiência prática, juntámos a parte mais teórica e tentámos fazer uma resenha de tudo isso num manual simples e prático.

MF - É verdade que o futebol tem olhado para as questões científicas de lado, mas também é verdade que a Universidade ignorou o futebol até há pouco tempo...

JS - Completamente de acordo. Tenho sido um crítico dos meus colegas universitários, de uma maneira geral, porque acho que a universidade se fecha muito nas suas investigações e nas suas promoções e não transporta isso para o mundo exterior. A prática no terreno é fundamental e se calhar os investigadores não se apercebem que andam a investigar coisas que às tantas não têm grande aplicação prática. O psicólogo do desporto deve descer ao balneário, vestir o fato de treino, porque de facto as coisas são completamente diferentes do que estar fechado num gabinete, ou numa sala de aula. Grande parte do que escrevi neste livro aprendi-o na convivência com treinadores. Aprendi muito com eles, com a sua percepção das coisas.

MF - A psicologia desportiva tem poucos anos em Portugal. Estamos a falar de cerca de uma dezena de professores, não?

JS - Não serão muitos mais, de facto. A Universidade do Minho é a única em Portugal que tem uma área de pré-especialização em psicologia do desporto. Os alunos até ao terceiro ano têm cadeiras em comum. Depois no quarto e quinto anos, têm cadeiras diferentes, em várias áreas. O ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada de Lisboa) também tem uma especialização. O ISMAI tem uma cadeira de psicologia do desporto e, claro, há também a Faculdade de Motricidade Humana. Mas já há mais professores do que havia quando comecei.

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