Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Aos cinco anos, Vânia Neves teve a primeira aula de natação por causa do medo que os pais tinham do seu atrevimento com o mar. Ninguém imaginava que 21 anos depois viria a enfrentá-lo numa prova olímpica de 10 quilómetros, onde era a única representante portuguesa. Até cotoveladas nas costelas levou, mas sonha repetir a experiência dentro de quatro anos. Só que nem só de sucessos se faz o percurso da nadadora do Fluvial Portuense. E a primeira prova de águas livres até correu bastante mal.

Nascida em Viana do Castelo, Vânia teve sempre o mar por perto e gostava de dar «umas fugidinhas». «Era um bocado perigosa na praia e a minha mãe achou por bem eu aprender a nadar», conta Vânia Neves ao Maisfutebol. E foi amor à primeira braçada.

«Foi algo de que gostei desde logo. Na primeira aula tinham dito à minha mãe para ficar próxima porque eu podia não me integrar na turma, mas, a partir do momento em que eu entrei na água, ela percebeu que podia ir para a bancada que eu não ia chorar».

Vânia com as companheiras de equipa

Das escolinhas da Escola Desportiva de Viana do Castelo passou para a pré-competição dois anos depois. «Como os horários eram relativamente semelhantes, quis experimentar uma prova, para ver… e ainda estou cá hoje», conta.

E foi esse gosto pela competição que a ajudou a continuar mesmo durante a adolescência quando as solicitações fora da natação aumentaram. «Eu já tinha resultados muitos bons na natação, que me levavam a querer sempre mais um bocadinho. E então fui tentando sempre conciliar tudo. Claro que houve muitos jantares de aniversário a que não consegui ir, muitas noites de cinema, muitas saídas… às vezes posso ir jantar, mas depois tenho que ir para casa porque no dia seguinte tenho treino de manhã. São opções que custam um bocadinho a tomar na altura, mas depois nas provas, quando elas correm bem, percebemos que a escolha foi a mais certa».

Nunca lhe apeteceu desistir? A resposta não se fez esperar: «Não».

«No início, eu era bastante nervosa nas competições. Na noite anterior não falava noutra coisa, toda a gente sabia que ia ser a minha prova. Agora não. Agora estou cá porque gosto mesmo de nadar», garante.

Nem sempre foi fácil. Atualmente com 26 anos e a terminar a tese de mestrado, Vânia sempre teve que conciliar a competição com os estudos. «Aconteceu muitas vezes ter exames na segunda-feira e ter tido provas nacionais na 5.ª, 6.ª, sábado e domingo. E aí as coisas complicavam um bocado. Estudava na semana anterior às provas porque na altura da competição, ainda por cima nacionais, é impensável pegar nos livros, e no domingo era chegar a casa às 23:00 e saber que tinha uma direta à espera. Depois de um fim-de-semana de provas, o corpo pede cama, mas sabe que é só mais aquele esforço porque depois dava para descansar», explica.

«Temos que ter o nosso dia completamente organizado e a mínima fuga à rotina pode ser complicada», garante.

Em prova de águas abertas

Apesar de ter começado na natação de piscina, é nas águas abertas que Vânia Neves se tem destacado ultimamente e foi nessa disciplina que chegou aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

São provas em mar, rios, barragens, com distâncias também bastante diferentes das da piscina. «A distância maior em piscina são 1500 metros, em águas abertas a distância mais curta é 5 mil metros, mas chega aos 25 quilómetros».

Depois de dois anos a experimentar algumas vezes as águas abertas, «sempre com uma postura muito relaxada, nunca para competição a sério», a ida para o Leixões levou-a a abraçar a disciplina. «O meu treinador disse-me: “Tu tens imenso jeito e consegues estar concentrada na prova durante imenso tempo, as águas abertas são mesmo boa opção para ti”. Resolvemos experimentar um ano e, se não corresse bem, voltávamos à natação de piscina. E assim foi».

Vânia gosta da «liberdade» que sente nas águas abertas, considera «mais estimulante», mas lembra que é uma disciplina que obriga a estar «preparado para o desconhecido». «Podemos ter ritmos muito diferentes durante a prova, correntes diferentes, temperaturas de águas diferentes, contacto físico, coisas que em natação pura temos como dado adquirido, pois a temperatura é constante, a pista é apenas para nós, não existem correntes e somos nós que definimos o nosso próprio ritmo».

Há uma coisa de que a nadadora não gosta das águas abertas: a água fria. «Não sou muito tolerante ao frio», conta, e, por isso, admite que «as primeiras experiências de águas abertas não foram propriamente boas por causa das baixas temperaturas da água».

Depois de uma prova

«Na minha primeira prova internacional, em Setúbal, saí da água inconsciente, com hipotermia e tive que estar a soro. Só pensava: “não posso desistir, estou numa prova internacional”. E acabei por ter sorte de ter um barco que se apercebeu que eu não estava bem. Se não tivesse tido assistência imediata, tinha ficado lá na água», recorda.

«A falta de experiência também ajudou um bocadinho. A única prova que tinha completado até então foi na Amieira, com água a 21 graus. Nessa prova em Setúbal, a água estava a uma temperatura de 16/17 graus. Para mim foi um choque muito grande».

E se os pais se preocupavam com a pequena Vânia que tentava ir para o mar sem saber nadar, não se preocupam agora? «Para uma mãe e um pai, verem a filha a sair da água inconsciente e no colo de um bombeiro não foi muito fácil. Depois conseguir convencê-los de que isto não é perigoso e que só acontece de vez em quando… Sei que na prova seguinte a minha mãe sofreu muito, mas entretanto já se habituou», conta.

E Vânia também se habituou. «Reparei que com o passar dos anos tenho ficado mais tolerante à água fria. Não gosto, não nado tão bem, mas tolero melhor».

No Rio de Janeiro

Como é, no inverno, treinar e competir? «Cá em Portugal, a preparação para as provas de janeiro e março é sempre feita em piscina. Eu e a Angélica [André] só conseguimos ter mais contacto com águas abertas quando temos estágio em Montemor-o-Velho ou no Algarve. Ainda no ano passado fomos à praia de Matosinhos duas vezes, mas mesmo no mês de agosto é impossível. Nunca estamos preparados para estar duas horas em água gelada».

Curiosamente foi na água fria de Setúbal que Vânia conseguiu a inesperada qualificação para os Jogos Olímpicos. «Nem eu na altura estava à espera. Não sendo a favorita, andei a semana toda muita tranquila. Ia ser uma prova internacional, eu ia dar o meu melhor, mas não ia ser aquela prova que ia decidir o meu futuro. No final, quando me disseram: “Ficaste a um lugar dos Jogos!”. Fiquei surpreendia. Como não assumi o nervosismo, isso correu bem para mim», recorda.

E acabou por ser suficiente. Vânia Neves assegurou a vaga olímpica após um tribunal neozelandês ter recusado o recurso de uma outra atleta que pretendia ocupar a vaga continental destinada à Oceânia. A decisão valeu à atleta portuguesa o convite da FINA (Federação Internacional de Natação), posteriormente confirmado pela FPN (Federação Portuguesa de Natação).

Vânia com o treinador no Rio de Janeiro

«A experiência no Rio é algo que acho que nunca mais na vida, nem que sofra de Alzheimer, vou esquecer. Quando cheguei à Aldeia Olímpica… a quantidade de atletas que lá estavam, dos mais famosos ao mais desconhecido. Foi quando percebi: “Estou mesmo aqui”. E depois a forma como nos tratavam. Podia passar Yelena Isinbayeva, como aconteceu, campeã olímpica, campeã mundial, recordista mundial, e foi tratada da mesma maneira que eu. Toda a logística, tudo era feito a pensar em mim. Foi uma diferença muito grande do que estamos habituados», conta.

Não houve passadeiras vermelhas durante a competição e foram 10 quilómetros duros, com Vânia a terminar na 24.ª posição, entre 26. «Aquela prova foi muito estratégica para algumas, muito de coração para outras, como foi o meu caso. Sabia que não podia pôr-me em confronto direto com elas, porque ainda não estou ao nível de muitas delas. Tentei ir com elas o máximo de tempo possível, mas no meio dos contactos físicos, no contorno das bóias… foi das piores provas que já fiz».

Prova de águas abertas nos Jogos Olímpicos

«Houve mesmo muito contacto físico e foi nesses pormenores que senti que me faltava experiência. Aprendi a defender-me de algum contacto, mas elas abrandavam para as boias para o grupo ficar mais compacto e deixarem algumas para trás», conta Vânia que lamenta não ter tido nenhum estágio específico, nem provas internacionais a época inteira. «Senti que me faltava muita experiência internacional para conhecer as características das adversárias, o que é muito importante».

«Cotoveladas na zona das costelas houve imensas. É muito fácil fazer com uma braçada mais distraída. O árbitro não consegue ver e amarelar. Na bóia, com tanta gente a contornar, eles já nem tentam ver. Foi uma prova dura nesse aspeto, mas eu senti-me tão feliz a prova toda que se tivesse que repetir, levar a mesma pancada, e ficar para trás sozinha outra vez, eu fazia», garante, deixando um desejo: «Espero repetir daqui a quatro anos».

Prova de águas abertas nos Jogos Olímpicos

Além de ser atleta e estudante, Vânia também trabalha. «Dou aulas de natação no Fluvial. Nas águas abertas em Portugal não dá mesmo para viver só de ser atleta», conta. E essa foi uma das diferenças que encontrou para as adversárias no Rio.

«Num leque de 26 nadadoras eu era a única que não era profissional de natação. Acaba sempre por fazer muita diferença na recuperação, na alimentação. Para mim, a parte da recuperação acaba por ser um bocadinho à balda porque tenho que trabalhar e ir para as aulas. Não tenho tempo para me dedicar como deve ser, como elas».

Durante dois meses teve bolsa olímpica, mas entretanto terminou e é esse lado financeiro que deixa a nadadora insegura em relação ao futuro como atleta. «O meu objetivo é estar em Tóquio, mas, se me aparecer uma boa oportunidade de trabalho, não sei se conseguirei mais quatro anos a pedir dinheiro aos meus pais. Com 26 anos não é de todo o meu objetivo de vida continuar a depender deles. Até agora tenho conseguido conciliar tudo, vamos ver como corre daqui para a frente».

Nos Jogos Olímpicos