PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY. Críticas e sugestões para pcunha@mediacapital.pt

SLOW MOTION:

«FOOTBALL’S GREATEST: VAN BASTEN»

Em Woodstock foi o LSD, em Munique o teorema de Marco van Basten. Trip coletiva, efeitos alucinogénios, elefantes brancos com asinhas, nuvens cor de rosa e estrelinhas faiscantes nos olhares vítreos.

Que me perdoem as mentes mais sensíveis e conservadoras. Mas sim, o pontapé de Van Basten na final do Euro88 trasladou dos EUA para a Alemanha, em instantes, as pesadas doses de epifania grupal do mais atormentado e delirante festival de música de todos os tempos.

Quanto tempo demorou? Ora bem, é calcular a arrancada do hirsuto Van Tiggelen, adicionar-lhe o passe ao veterano capitão de guerra e mar, Arnold Muhren, e por fim fechar o cálculo com a trajetória cometa-Halley do cruzamento que parece perdido e explode no pé direito de Marco.

Sete, oito segundos? Não interessa, não é pelo menos o mais importante. Os efeitos sim, e suas consequências. O arco do êxtase, a impotência do extraordinário Rinat Dasaev, a certeza de que ali, no Olímpico germânico, se escrevia História e delírio, um milagre de geometria e aritmética.

Eu, nos meus pueris dez anos, anotei com candura o meu quarto pedaço de futebol alienígena. Nos olhos do meu pai procurei uma explicação lógica para o que víamos. Só encontrei fascínio. E a mesma perplexidade.

Fui uma criança mal habituada, é certo. Ora vejam:

. 1985, o milagre de Estugarda no peito do pé direito de Carlos Manuel;

. 1986, o barrilete cósmico, D10S encarnado no baixinho gordito, driblador de ingleses desprovidos de rins;

. 1987, Rabah Madjer a virar as costas a Pfaff, antes de encostar o calcanhar direito e erguer a nação portista;

. 1988, o golo de substâncias ilícitas desenhado por Marco van Basten.

Perceberão, pois, o meu elevadíssimo grau de exigência quando se fala e analisa futebol. E a minha profunda deceção, já agora, com o que tenho visto no Euro2016.

Faltam instantes de essência icónica, jogadas para os meninos do futebol de rua imitarem. Não é só fazer um grande golo, é ter um traço de autor e registar o feito para a posteridade. Sem imitações possíveis.

E aqui chego a Cristiano Ronaldo. Para me despedir do leitor e lançar o apelo ao segundo melhor futebolista do planeta Terra: Cristiano, é aqui e agora! O palco é teu, tens tudo para redefinires os livros sobre os Europeus e assinares tu próprio um capítulo dourado.

Os grandes artistas não arranjam desculpas, não amuam e não desistem. Marcam encontro com a História e comparecem. A tempo e horas. Cristiano, Portugal aguarda uma trip coletiva .

Quanto tempo é de Woodstock a Marcoussis?

SOUNDCHECK:

«HOOLIGANS DON’T FALL IN LOVE» - THE BEAUTIFUL SOUTH

«Football is coming home». Já escrevi neste espaço que é a música que mais me apaixona quando penso em grandes competições de seleções. Curiosamente, no mesmo Euro96 em que ganhou vida, outras partituras surgiram fulgurantes e permanecem guardadas com carinho na minha discografia privada.

Podia ter escolhido «We're in this together», dos Simply Red, mas pareceu-me demasiado mainstream. Por isso, aqui vai algo ligeiramente diferente, mais subtil, dos The Beautiful South, uma banda criada a partir dos destroços dos The Housemartins.

O título é sugestivo e faz-me lembrar das imagens terríveis a que temos assistido em algumas cidades franceses neste Europeu. Ainda há muitos mentecaptos incapazes de celebrar a vida e viver, lá está, em sociedade. Será sempre assim, infelizmente.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.