Fernando Santos recorre aos números para dizer que Portugal foi das melhores equipas na fase de apuramento e que jogou quase sempre bem ou muito bem. Quanto ao estilo e à ideia de que falta a esta seleção um futebol que empolgue, diz que não é isso o que sente na rua, em Portugal e no estrangeiro, mas sim entusiasmo em torno da Seleção.  

Contou uma vez que quando chegou à Grécia teve a ideia de colocar a equipa em 4x4x2 losango, mas ao segundo jogo, com a Geórgia em casa sofreu um golo aos dois minutos, e decidiu mudar tudo ao intervalo.

O primeiro jogo ganhei, a jogar em 4x4x2 na Sérvia. Aí tem a ver com o conforto dos jogadores. Os selecionadores podem ter uma ideia, não podem é estar convencidos que essa ideia tem de prevalever sempre. Numa equipa não é assim, trabalham todos os dias até se sentirem confortáveis, mas numa seleção os jogadores têm de estar logo confortáveis. Nesse jogo senti que a equipa tinha ficado com um balão cheio de confiança no jogo da Sérvia, nunca a Grécia tinha ganho na Sérvia, os jogadres diziam todos «Assim é que é, é a melhor maneira da gente jogar». E era, na minha perspetiva. Conheço muito bem os jogadores gregos, não tenho dúvidas que era a solução. Mas a partir do momento em que vejo que durante 45 minutos os meus jogadores não sabem o que estão a fazer em campo, e percebo que há um grande desconforto, tive que voltar atrás. E com o tempo, paulatinamente, fui tentando mudar as coisas.

Mas a pergunta é como conseguiu que a Seleção Nacional se sentisse logo confortável em 4x4x2, sendo que historicamente estava habituada ao 4x3x3?

Porque o primeiro jogo com a Dinamarca correu muito bem, depois voltou a correr bem, e foi ganhando confiança. Para mim também era claro que perante os jogadores disponíveis o 4x4x2 era o sistema que melhor se adaptava, mais clássico, menos clássico. Até porque eu devo ter sido dos primeiros treinadores em Portugal a jogar em 4x4x2. Já o fiz no Porto, houve uma fase em que joguei em 4x4x2 losango, depois no Sporting. Eu sabendo também das características do Ronaldo, acho que qualquer treinador português, seja ele quem for, enquanto tiver Cristiano Ronaldo tem de potenciar a mais-valia que esse jogador pode trazer à equipa. Na minha perspetiva, na organização global do jogo, parecia-me claro que devia ter Ronaldo numa posição mais solta e menos presa a rigores defensivos. Muitos dos jogadores tinham jogado já com esta disposição em campo. O conceito de 4x4x2 já não é tanto aquele conceito italiano. No futebol, cada vez mais, esta questão do 4x4x2 ou 4x3x3 não é tão relevante. Eu costumo dizer que o 4x4x2 ou o 4x3x3 só se vê quando a bola vai ao centro.

Voltando à adaptação da equipa...

Consolidámos um espírito de confiança e esta equipa tem um grande espírito estratégico. Sabe que para ganhar os jogos tem de jogar bem e é isso que tem feito: tem jogado muito bem. Ninguém joga perfeito 90 minutos num jogo, mas mal esta equipa nunca jogou, tirando 25 minutos na Suíça, e por isso tem uma derrota: não atacou bem e defendeu horrivelmente. Em todos os outros jogos esta equipa jogou algumas vezes bem e outras vezes, na minha opinião a maior parte das vezes, muito bem. Por isso é campeão da Europa. E por isso em 29 jogos oficiais, Portugal tem 23 vitórias, quatro empates e duas derrotas, embora haja quem diga que tem 22 vitórias, seis empates e uma derrota, mas eu acho que não há um empate aos 120 minutos, ou se ganha ou se perde e por isso ou se segue em frente ou se é eliminado. Mas pronto, neste apuramento, de todas as 54 seleções, esta equipa é a que tem mais cantos, com mais remates, com maior número de passes certos, é a quarta com mais posse de bola, é a quarta equipa com menos golos sofridos, é a quarta equipa com mais golos marcados. Isto só pode provar que esta seleção joga muito bem.

Está a falar do jogar bem e da qualidade, mas aí surge a questão que vem já do Euro 2016 em relação ao estilo e ao jogo empolgante que faltará a esta seleção.

Mais emplogante? Viu o estádio a cantar hino nacional depois do jogo, 61 mil pessoas? Não é nada disso que eu sinto na rua, nem em Portugal nem no estrangeiro. Há aí qualquer equívoco. O que eu sinto é as pessoas muito agradadas com o que Portugal tem feito. Sempre, é impressionante. Eu aceito perfeitamente que haja análises diferentes, aceito essa questão do empolgamento, do futebol não sei quê. Agora há esta discussão do bonito, do feio e do belo. Há pessoas que gostam muito do preto. Eu acho horrível. Eu gosto do branco. A beleza tem a ver com isso? A beleza é algo que nós sentimos.

Que futebol é que gosta de ver jogar?

O que eu gostava? Que a minha equipa ganhasse e desse sempre grandes espetáculos. Umas vezes com variedades, com música, outras com orquestra sinfónica, como qualquer treinador. Mas a questão é: nós estamos aqui para ganhar. E nós jogamos com as nossas armas. Jogar com as nossas armas, é preciso jogar muito bem para ganhar. É isso que eu quero. Eu não consigo entender que uma equipa que perde possa dar um grande espetáculo, faz-me confusão. Depois vem a história das vitórias morais. Para mim a questão é diferente. É uma conversa sem muito sentido, do bonito e do feio. A Seleção nunca disse que gostava de jogar feio. Pegaram numa frase que foi um momento muito bonito dos meus jogadores em relação ao seu país, que foi dizer que para eles tantos fazia bem ou mal o que queriam era levar a taça para Portugal. Mas os meus jogadores nunca disseram que queriam jogar mal. Pelo contrário, sempre disseram que queriam jogar bem e se possível proporcionar grandes jogos. Pegaram numa frase que foi um sentimento tão bonito pela sua nação e que a mim me comoveu para a deturpar.

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Fotos: Ruben Neves