11 de agosto de 2001: Varzim-Benfica, 2-2

Era agosto de 2001. O World Trade Center estava intacto, Figo ombreava com Zidade pelo estatuto de melhor do mundo, Portugal vivia a euforia do «Big Brother» e ainda se dizia empresta-me aí 100 paus. Num desses dias, António Simões senta-se perante o olhar atento dos jornalistas e solta uma frase que fica para a história: «Deixem jogar o Mantorras».

Veio aquilo a propósito de um Varzim-Benfica ainda fresquinho na memória, no arranque do campeonato. O clube da Luz vivia uma fase estranha, um misto de esperança e desilusão. A pré-época fora de euforia, com reforços sonantes e ambições renovadas, mas tudo se espatifou ao primeiro jogo. E vieram as desconfianças. E as queixas.

No final, um cavalo de batalha assumido: a defesa da coqueluche. Pedro Mantorras, a pérola negra. Bem antes de ser o letal finalizador que deu um jeito enorme a Trappatoni, o angolano era explosão. Vertigem. Era a euforia dos adeptos condensada num só homem.

Uma esperança que rapidamente levou um preço: 18 milhões de contos! Isso mesmo, 90 milhões de euros! Heresia ou justiça, havia opiniões para todos os gostos. O rótulo foi traído pelas rótulas, tempos mais tarde. Histórias para outra maré.

Esta é apenas a recordação do pedido simples de um homem simples. António Simões quis levar ao extremo a velha ideia de ¿ir pelo caminho mais fácil¿. Tentou. Outros também o tentaram. Lembro-me de escutar uma mensagem semelhante para o professor de Matemática. «Deixe passar o Ricardo». Também não resultou, mas fez o homem das contas com letras sorrir. Não era fácil, acreditem.

Portanto, Varzim-Benfica, não era? Ora, se bem me lembro (e aqui estou só a fazer conversa porque é claro que me lembro), o Benfica ganhava 2-0 num terreno pesado. Viria a empatar 2-2. Antes e depois de Pesaresi cometer o penalty mais ridículo da história, numa agressão dentro da área com a bola no meio campo, Mantorras lutava para...respirar.

90 minutos com companhia permanente da maior figura varzinista de então: Alexandre, não O Grande, mas temível na mesma. Recentemente revi-o na televisão. Continua igual. Cabelo à Nuno Gomes, talvez uns quilos a mais. Espreitei-lhe para o bolso direito, depois para o esquerdo. Não vi Mantorras. Saiu, pois claro, para dar o título a Trappatoni. Cabeça a minha...

Alexandre fora, é preciso assumir, intratável. Duro, por vezes. Tudo somado e atendendo ao baixo rendimento de Mantorras não era difícil avaliar: atuação positiva. António Simões achou que não. Pediu proteção ao talento angolano, queixou-se da dureza das gentes da Póvoa. Atirou para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo.

Mantorras não precisava daquele Simplex que António Simões pediu, anos antes de José Sócrates o popularizar. Não precisava que lhe facilitassem a vida, que lhe abrissem avenidas. Como se João Garcia dissesse que só voltava ao Evereste se aquilo deixasse de ser a subir. Ou se Usain Bolt quisesse fazer os 100 metros num Fórmula 1.

Simões queria espaço, queria bola no pé do fenómeno, golos para a multidão. A multidão queria o mesmo, Mantorras só queria provar que era mais do que uma promessa.

Aquela mensagem de proteção e facilitismo foi uma traição à imagem real do angolano. Ele era homem para batalhas. Naquela altura, pelo menos. Um lutador que despontou no Alverca e ameaçou atingir um patamar destinado aos imortais.

Mantorras não precisava de espaço. Precisava de tempo. E de sorte. A sorte que nunca teve.

«Cartão de Memória» é um espaço de recordação dos mais míticos jogos do século XXI, da autoria de João Tiago Figueiredo. Pode sugerir-lhe outros momentos através do Twitter.