Pára, escuta. Mais devagar. Pára! E... escuta. Chamam o teu nome. Pela primeira vez, talvez única, ouves. Ao longe, paira o reconhecimento. Será mesmo o reconhecimento, aquilo que se dilui entre cânticos? Vozes que gritam. Cantam e gritam. E param de repente. Mas recomeçam. Olha, o teu nome agora, ou será outra coisa qualquer? O teu nome ou será um insulto, numa língua estranha, camuflada, imperceptível? Caminhas para a guarda de honra ou para o linchamento, de cara tapada, só para prevenir? Caminhas e não sentes o corpo, sentes apenas que vais, que tens de ir, seguir a luz que encadeia e te apaixona, mesmo duvidando que sejas o herói quando entrares na arena.

Ouves o treinador, fixas os olhos no giz de ardósia ou nos ímanes pequenos que fazem de gente grande. Ali, ali! Segue-los para toda a parte, decoras as linhas, sem ziguezagues. Aqui e ali, como num desenho de compasso. De ali para aqui, sempre. Se x é igual a n, então tu deves ser igual a y. Deves, tens de ser, só podes ser. Um quadrado, dois triângulos, um losango, desenhos cubistas num rectângulo verde a fugir para o amarelo. Colegas teus enjoam como no alto-mar, mas disfarçam. Olham para o lado, escondem-se atrás da carteira de frente. Tu, não. Manténs-te firme, amarrado ao mastro. Há quanto tempo não expiras?

Massagens rápidas para aquecer os músculos, olhos fixos num ponto imaginário. Contagem decrescente. Quinze minutos, dez, nove. Meias para cima, camisola correctamente entrincheirada debaixo dos calções, a gola no sítio, sem tiques à Cantona. Cabelo penteado, cortado no tamanho certo, nem mais nem menos. Seco, não molhado. Shaken, not stirred. Elegante. O ponto imaginário continua sem se mexer.

É altura de subir, de dizer presente, olhar para lá das multidões, de te distraíres com os papelinhos que caem das bancadas. As cores, o movimento lá em cima, o som que vem do vulcão prestes a explodir. Vês, os papelinhos? Vês? As pessoas? Só ouves, muito distante: Este é o jogo da tua vida! Tudo depende de ti! A palmada do ombro soa a estalo no dorso do puro-sangue. Mas as rédeas e as esporas seguram-no no sítio outra vez.

Começa. Bola cá, bola lá e ainda não lhe tocou. Não a sentiu, não lhe pediu ajuda ou exigiu favores. Sente-se um general sem galões ao ver combater a infantaria da qual também faz parte. Quer avançar, mas avisam-no do banco. Gritam-lhe Atrás! e mais uns «c» com asterisco, como no relato de um debate parlamentar. Sente pela primeira vez a gola apertada. É um predador à espera da presa, enquanto a trama se desenrola. Três fintas seguidas incendeiam o caldeirão, fazem saltitar as holas e ferver o sangue. O craque já envergonha quem se atravessa à sua frente. A vírgula. Ponto. Novo truque, ponto parágrafo. Um túnel. Vem para aqui!

Vem para aqui.... Cerra os punhos, encaixa os dentes. Sente a dor pelo exagero. Não passas. Não passarás. Repete. Não passas! Hoje sou Vogts atrás de Cruijjf, o Gentile que placa Maradona! Hoje tenho a violência de Materazzi e Boulahrouz juntos. Passem-lhe a bola! Ou não passem, se não quiserem... O silêncio cai sobre o estádio. O meu nooome é Leeegiiiiiiiãããooooooo...

Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, subdirector editorial do IOL, que escreve aqui todas as semanas. Siga-o no twitter