PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. Cultural, quero crer. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura, no teatro. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Mas não só. Ideias soltas, reflexões comuns, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera das nossas prioridades. PLAY.

SLOW MOTION:

«HELENO», de José Henrique Fonseca. O primeiro génio boémio do Botafogo chamou-se Heleno de Freitas. Rio de Janeiro, anos 40, época dourada na sociedade carioca. Assumidamente louco por «golos, cinturinhas e cadillacs», Heleno é um galã desnaturado, nos relvados e nos salões de baile.

Viciado em éter, machista, goleador, uma personagem riquíssima e, acredito, desconhecida da maior parte dos portugueses. Antes de Mané Garrincha encher os jornais de escândalos, a imprensa rendeu-se aos encantos do sedutor inconsciente. Heleno, o príncipe maldito.

Filmado a preto e branco, numa fotografia irrepreensível e com Rodrigo Santoro a encarnar (bem) a pele do protagonista, Heleno é uma alucinante visita à existência de um ser repleto de imperfeições. Atrai e abomina, perdoa e castiga.

Glorioso no ataque do Fogão, desequilibrado nos bastidores. Morreu aos 39 anos num hospital psiquiátrico, condenado pela sífilis e a demência. Sozinho, miserável, desesperado. Heleno tudo teve e tudo perdeu nos excessos de autodestruição.

No coração, até ao fim, a Estrela Solitária. «A minha vida é o Botafogo!», grita, uma e outra vez. Heleno foi único, Heleno é história de cinema.



PS: «LINCOLN», de Steven Spielberg. Vi o primeiro dos nove candidatos a Melhor Filme na cerimónia dos Óscares. Uma obra destinada a ser um clássico. Daniel Day-Lewis é Abraham Lincoln, profundo opositor ao regime esclavagista, abolicionista radical, político de rara inteligência. A figura frágil, arrastada num caminhar suplicante, transforma-se num animal de oratória na hora de defender os ideais humanistas. Obrigatório, pois.

VIRAR A PÁGINA:

«BURGUESIA Y GANGSTERISMO EN EL DEPORTE - Dante Panzeri». O autor, jornalista consagradíssimo, morreu há 34 anos. Este livro, escrito em 1974, está mais do que nunca nos corações argentinos. Está na moda, aliás. A escrita reflete a personalidade dura de um homem «difícil, pouco acessível, mas mentalmente são e muito honesto». Para Panzeri, o futebol era «a dinâmica do impensado». Defende a sua teoria e levanta a voz contra «os poderes instituídos e os gangsters que se servem do desporto que amamos». Escrito na década de 70, quem diria?

SOUNDCHECK:

QUAL É O MAIS BELO HINO DE CLUBE?. É semana de Clássico, é semana de espetáculo, de conversas animadas e de sofrimento apaixonado. Tudo isto me leva a pensar em música, em coreografia, em entrega absoluta. Faz-me lembrar os hinos de F.C. Porto e Benfica. Qual é o mais bonito? A resposta é fácil. Pelo menos para portistas e benfiquistas.

Eu prefiro este: o hino da AS Roma. Amar um clube é isto. A melodia, as palavras, a dedicação. O clube nada me diz, mas já há muitos anos que o ouço e me arrepio.



PS: «SHIELDS», dos GRIZZLY BEAR. O quarteto de Brooklyn regressou em 2012. Melhor do que nunca. A pop enviesada, onde os detalhes são tão ou mais determinantes do que o corpo principal, soa-me a perfeição. As portas da perceção jamais me pareceram tão próximas.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.