Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Começou no voleibol aos 15 anos, e rapidamente alimentou ambições na modalidade. Mas foram muitos os treinadores que lhe fecharam as portas. Diziam que não era suficientemente alta, que não tinha técnica por ter começado a praticar demasiado tarde. Mas Núria Silva não se deu por vencida. Determinada, não só se tornou profissional, com carreira internacional na modalidade, mas foi através do voleibol que conseguiu pagar os estudos superiores, um objetivo que colocou sempre como prioridade. Agora, aos 25 anos, joga no KSC Berlim, da I Liga alemã, e representa a Seleção Nacional, mas continua a querer chegar mais longe e quer ser um exemplo de que, apesar da altura, nenhuma posição lhe está vedada.

Núria nasceu numa família de desportistas. O pai, Arnaldo Silva, foi jogador de futebol em clubes como V. Setúbal, Marítimo, Belenenses e Beira-Mar, além de se ter tornado depois treinador; o irmão, Edinho, internacional português, é jogador do V. Setúbal, mas já passou por outros clubes nacionais e internacionais; e também a mãe praticou «bastante desporto» na juventude, como atletismo e voleibol. Por isso, Núria garante: «Eu tinha mesmo que ter desporto na minha vida.»

Nos Estados Unidos

«Quando eramos pequenos, o meu pai era treinador das escolinhas e eu cheguei a praticar futebol, mas não tinha jeito para aquilo», conta. «Era melhor com as mãos do que com os pés», graceja, e garante que até «era só por divertimento, mais do que realmente gostar de praticar a modalidade.»

Depois mudou para algo completamente diferente. «Pratiquei atletismo, salto em altura e salto em comprimento, na Quinta do Conde, onde vivia, mas quando fui para o ensino secundário não havia mais ajudas para prosseguir nessas modalidades e saí», conta.

Surgiu então a oportunidade do voleibol. «Uma professora minha ia criar um clube de voleibol para que os alunos participassem e chamasse a atenção de mais gente. E foi aí que comecei.»

As competições regionais abriram-lhe o apetite por mais. «Comecei a ter mais interesse pelo voleibol e a ter ambições, como representar a Seleção Nacional e jogar no estrangeiro», recorda. Mas muitas portas se fecharam.

«No início, muitos treinadores rejeitaram-me. Diziam que eu não era capaz, que não iria longe, que nem iria jogar no estrangeiro. Diziam que eu era baixa [mede 1,76m] e que não tinha a técnica porque aprendi muito tarde, já que eu comecei aos 15 anos e, normalmente, começa-se aos nove», lembra.

Sem problemas de altura

Não desistiu, e aos 18 anos, com o final do secundário, surgiu a primeira decisão difícil na carreira. Núria queria jogar, mas também queria estudar. «Os meus pais sempre nos ensinaram a ter pelo menos uma segunda opção, a pensar no que poderia acontecer no caso de o meu caminho na modalidade não resultar. Por isso o meu foco sempre foi terminar primeiro os estudos», explica.

«Na altura os meus pais não tinham muitas condições financeiras para me ajudar a pagar a faculdade, e eu sabia que se quisesse seguir a modalidade teria que me deslocar para norte que é onde estão as equipas mais competitivas em Portugal. Tentei também fazer parte da Seleção Nacional [que trabalhava habitualmente em Vila Nova de Gaia] porque sabia que eles me poderiam ajudar com esse lado financeiro da faculdade e também a crescer como jogadora para poder sair para o estrangeiro, que era a minha intenção», conta Núria Silva.

Por isso fez as malas e mudou-se para o Porto, onde esteve a estudar, jogava no Sporting Espinho e integrava a Seleção Nacional de Juniores, que era coordenada pela professora Gilda Harris, cubana. «Ela ajudou-me em termos de técnica de preparação para o que seria uma carreira internacional.»

«Eu não sabia o que esperar e, olhando para trás, não sabia o que estava a fazer, mas a fé e o apoio da minha família fizeram-me acreditar que eu poderia conseguir aquilo que queria.»

A voleibolista confessa que «não foi muito fácil coordenar tudo». Entre as aulas no ISCAP, em Matosinhos, os treinos em Espinho, e a Seleção nos Carvalhos (V.N. de Gaia), Núria andava sempre em movimento. «Tive ajuda de colegas que tinham carta de condução e eu ia ter com elas a algum sítio e seguíamos para o treino, depois voltava de autocarro. Cheguei a ter que esperar debaixo de um prédio imenso tempo porque a estação ainda não estava construída e era ali que apanhava a conexão para ir treinar com a Seleção», recorda.

«Se chegasse atrasada às aulas os professores ficavam chateados, e também não podia chegar atrasada nem faltar a treinos. Havia sempre alguém chateado. Não foi fácil. Não sei como fiz aquilo», lembra, explicando que, além do apoio da família, da sua «força de vontade», tinha ainda a «motivação que a selecionadora dava». «Ela dizia sempre que os resultados apareciam depois dos esforços», conta Núria, que garante: «Valeu completamente a pena, não estaria onde estou hoje se não tivesse tomado essa decisão.»

Com a Seleção Nacional

A aventura no Porto durou apenas um ano e a dificuldade de conciliar os estudos e a modalidade atenuou-se quando a voleibolista conseguiu uma bolsa de estudo em Murcia, na Universidade Catolica de San Antonio que estava a jogar a I Liga de Espanha.

«Esse foi o primeiro passo para o estrangeiro e logo numa primeira liga. Como tinha bolsa, não tinha que me preocupar com a questão financeira dos estudos e podia fazer a minha modalidade. O ginásio onde treinávamos era perto, o que facilitava, e não precisava de chegar atrasada a nada», conta Núria.

Só que no segundo ano, «quando se começou a sentir a crise financeira em Espanha», foi informada de que a bolsa terminaria no final do ano letivo. «Vi-me outra vez sem saber o que fazer para conciliar os estudos e voleibol, que era o que me tinha ajudado a continuar a estudar.»

A solução estava do outro lado do Atlântico e surgiu através da selecionadora Gilda Harris. «Ela foi contactada por mensagem no Facebook por uma treinadora que andava à procura de jogadoras para a Universidade Hofstra, em Nova Iorque. Ofereciam bolsa de estudo, alojamento e condições para as atletas jogarem na primeira liga americana e continuarem os estudos.»

Parecia bom demais para ser verdade. «Quando ela me disse, eu respondi: ‘Isso é mentira, não pode ser. Aqui estão a tirar-me a bolsa e lá oferecem tudo?’»

Mas era verdade. «A treinadora veio a Portugal para falar com os meus pais e explicar que era uma coisa séria e viável, falámos muitas vezes pelo Skype e, em três, quatro meses, tinha a papelada toda pronta para jogar nos Estados Unidos e embarquei nessa aventura.»

Na Universidade Hofstra

Tinha 21 anos quando mudou de novo de país, e agora de continente. «Foi ótimo. Eu sempre tive a curiosidade de como seria viver na América e ter a experiência de faculdade lá. Tudo aquilo me pareceu um sonho. Conheci bastantes pessoas… foi uma experiência incrível que vai ficar comigo para sempre», assegura.

Apesar de garantir que ainda aproveitou «bastante de Nova Iorque» nos dois anos em que lá viveu, lamenta não ter conseguido ver mais. «Foi difícil ter tempo para algumas outras coisas além dos estudos e do voleibol, mas quando estamos focados num objetivo, não cansa».

E após os dois anos nos Estados Unidos, o objetivo de terminar os estudos estava conseguido. «Em Portugal e Espanha estava a estudar na área de Comunicação e Turismo e nos Estados Unidos estudei Comunicação, Relações Públicas e Jornalismo e fiz um minor, que é como um segundo curso, em Filosofia. Não foi fácil conciliar, mas acabei por conseguir terminar tudo e foi um alívio para mim lançar aquele chapéu no ar. Foram muitos anos e estava muito contente por ter terminado», recorda.

Curso concluído

Depois Núria voltou a Espanha para jogar de setembro a janeiro no Haro la Rioja e no inverno mudou-se para o SVS Post Schewechat, onde esteve até final daquela que foi a sua primeira temporada só como profissional de voleibol. Em setembro de 2016, novo objetivo conseguido ao rumar à Alemanha para jogar no KSC Berlim.

«Alemanha era um objetivo porque a liga alemã é muito conhecida em termos de voleibol, tem jogadoras de top e sempre foi um sonho. E agora posso fazer parte dela. Sempre quis estar aqui e estou a gostar bastante porque é uma boa forma de continuar a aprender e pode ser uma boa rampa de lançamento», conta.

«Estou a gostar muito de viver em Berlim. Tem bastante história, bastantes coisas para fazer, e até tenho colegas que conheci em Nova Iorque que também cá estão».

Em termos de resultados, Núria explica que «a temporada está a ser um pouco complicada porque a equipa sofreu bastantes mudanças.» «Mas estamos agora nos play-offs dos oitavos de final e estamos motivadas.»

Este é o ponto alto da carreira? A voleibolista hesita: «É difícil dizer. Nos EUA foi quando aprendi o que queria ser como jogadora. Em termos profissionais, estou agora no auge da minha carreira, e espero que continue a melhorar nesse sentido. Gostava de atingir outros patamares no futuro, e ajudar a Seleção Nacional a conseguir uma qualificação internacional», diz a atleta que não põe de lado a hipótese de regressar a Portugal.

«É um pouco cansativo estar sempre no estrangeiro, longe da família. Já pensei nisso, mas tenho que ver que oportunidades há. Não teria as mesmas condições, mas em termos de relações pessoais seria melhor.»

Na Áustria

Questionada sobre que marca quer deixar no voleibol, Núria diz que quer acabar com o preconceito em relação à altura. «Ainda existe bastante discriminação no voleibol. Por exemplo, consideram-me uma pessoa baixa que apenas pode ser uma líbero, não poder ser uma atacante. Isso dá-me raiva. Empenho, trabalho e sacrifício dão mais resultados do que alguém que tem altura, mas não quer trabalhar», defende Núria, que joga a central, e frisa: «Não é só em Portugal que se pensa assim, é um pouco por todo o mundo.»

«Acho que qualquer pessoa é capaz de fazer esta modalidade, independentemente da posição», explica, e por isso quer ser um exemplo.

«A última coisa de que me lembro antes de sair de Portugal era esse tipo de comentários, mas depois, voltar e ver que os comentários sobre mim mudaram é satisfatório. Pelos sítios por onde vou passando também sirvo um pouco de exemplo e espero que isso seja lembrado quando terminar a carreira», explica a atleta, que também usa a sua página oficial no Facebook para partilhar a sua experiência.

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