Desfraldei a bandeira como um lençol na varanda, ajustei o cachecol e preparei-me para bater emocionado no peito, bem em cima das quinas, e talvez arrancar os poucos cabelos que conseguisse agarrar, durante 90 minutos.

Os meus filhos preferiram a PS3 e os cartoons animados, apesar de avisados da solenidade do momento, de gostarem de futebol e até saberem que um dos ídolos inevitáveis ia jogar. Senti que estavam a trair a sua Selecção, mas enquanto eu puder serão inimputáveis. Acho que perceberam primeiro do que eu que era melhor divertirem-se do que sofrer a bom sofrer.

Senti também que era masoquista. Que já sabia ao que ia. Que nada mudava só porque havia agora o-Liedson-com-que-nunca-concordei de diferente e um novo esquema, assente em nova geometria, depois de décadas a desenhar classe com outra.

Vi perdidas incríveis. Mãos na cabeça. Um golo de elmo com chifres veloz sobre um drakar a abrir-nos a porta do desespero. Mais falhas, faces coradas, sentimentos de impotência. Vi tudo menos classe, tudo menos aquelas jogadas de sonho que me faziam perder a compostura. Rui Costa em túneis sucessivos, Figo a serpentear pela esquerda e pela direita, costurando nós nas pernas rivais, e Nuno Gomes a achar-se sobre-humano e a mandar bugiar Barthez, com um manguito de pé esquerdo.

Para cúmulo, no primeiro jogo, Liedson acertou onde nenhum português de gema acertara. O nome na camisola e a aparência, mais transatlântica do que o habitual, destoavam, não era a mesma coisa. A Liedsão nem o último acordo ortográfico ajudaria! A Liedsinho também não. Enfim, que seja Liedson. Que seja Pepe! Que seja Deco! Képler ou Anderson Luís não seriam melhor...

Não deu para mais. E terminei resignado, e ainda por cima com os sentimentos acabados de sair do misturador. O avançado que «contratámos» no Brasil é o grande responsável por ainda podermos somar um-mais-um. Agradeço-lhe baixinho, mas, se me perguntarem, nego todas as acusações. E mesmo assim não sei se tenho de discutir isso convosco.

Como CQ - desde a saga Bond que acho que os nomes feitos com iniciais dão uma aura de maior inteligência a quem os usa - não quer discutir tácticas com jornalistas, ou seja com mais ninguém, fiquei a falar sozinho, de cerveja e tremoços nas mãos, a escaldar com o cachecol ainda no pescoço e a tentar encontrar milagres no vazio.

O losango pode até fazer sentido, por que não? Mas porquê agora? Será uma táctica a solução de tantos problemas, dos quais o principal é não mostrar consistência e jogar mal? Com tanta qualidade nas alas faz sentido afunilar o jogo e adaptar o melhor extremo e grande figura a tantos obstáculos na área? De que vale a pena ter dois avançados no meio, quando um deles apenas aí brilhava quando aparecia vindo de outras zonas? É Pepe o 6 ideal para a nova figura geométrica?

O meu alter-ego não me responde, se calhar também acha que não deve discutir tácticas comigo.

CQ está sozinho no mundo, eu estou sozinho no mundo. Sem nada para discutir, os dois temos razão. E não a temos. Todos os dez milhões de portugueses têm razão. E não a têm. E não geramos a dúvida que um tal de Descartes idolatrou e que nos resolveu tantos problemas e puzzles depois.

Uma coisa que me atingiu de repente (Culpado, confesso!). E merecer estar no Mundial, tem discussão? Pois isso também não, não é?

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, subdirector editorial do IOL, que escreve aqui todas as semanas. Siga-o no Twitter
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