Nove-ponto-nove na escala de Messi. Os jogos deveriam ser medidos assim. Uma escala própria, um algoritmo único, que adopte um nome que faça sentido. Os encontros de futebol deviam ser encarados como um sismo, capazes de mudar a nossa perspectiva num ápice, de nos atirarem abaixo da cadeira, de nos abalarem as fundações e nos fazerem crescer tortos como a Torre de Pisa. Um jogo pode ser isto e não ser nada. Qualquer coisa de intermédio é apenas um ajuste de placas tectónicas, quase imperceptível aos nossos sentidos, incapaz de nos estragar um dia ou de fazer com que nunca mais o esqueçamos.

Podia ser de Messi ou de Xavi a escala desta assombrosa goleada no Bernabéu, onde já se contava com a aproximação aos rivais, mas sem nunca ter havido aí a mesma trepidação de futebol que o Nou Camp e outros estádios de Espanha já tinham sentido. Podia ser de Messi ou de Xavi a definição deste insulto monumental aos blancos, um chorreo do tamanho da dimensão e ambição madridista, acompanhado de todos os gestos grosseiros que a humanidade faz quando cerra os dentes e os punhos para se vingar. Estava mesmo em discussão o título ou estaria entregue há muito? Vamos fingir que não, que o golo inaugural de Higuaín ainda podia ter feito estragos ao Barça, que estava tudo ainda por decidir e que, realmente, o grande mal da «nação» culé, como disse dias antes, a despropósito, Bernd Schuster, era sofrer de madridite.

Nove-ponto-nove na escala de Xavi. Puta madre! Quatro golos em seis saíram dos seus pés, dois para Messi, um para Puyol, outro para Henry. Três golos em seis têm a assinatura de Messi: dois marcados com aquele fantástico pé esquerdo, na cara de um dos melhores do mundo e que, ressalve-se, até evitou pesadelo maior para os seus, e uma assistência fabulosa, também para o internacional francês, que então iguala o marcador. Nove-ponto-nove na escala culé. Exibição perfeita, com «chocolate» a sair de todos os passes, e Henry a fazer o papel de Etoo, o goleador que desta vez fica em branco, entregando o papel de herói aos companheiros de luta. O mítico estádio do Real nunca vira nada parecido. Seis-golos-seis, tão difíceis de engolir. O sismo ameaça abrir um fosso na cancha e engolir Raúl, Robben e companhia. Os adeptos fogem antes do apito, prevendo a catástrofe, em busca de uma trave mestra que lhes segure o orgulho.

¡Eo, eo, eo, esto es un chorreo! Um jogo pode acabar 6-0 e não se passar nada. Sim, os adeptos vão andar tristes por uns dias, mas depois passa-lhes. Uma equipa pode ganhar várias vezes 7-0 e não ser campeã. Um clássico pode terminar 4-4 e, passados cinco minutos, dissecados os golos, fala-se mais nos erros cometidos do que na emoção da incerteza do resultado. Um 2-6 no Santiago Bernabéu, templo da alma «merengue», num jogo decisivo e antes de mais um embate muito a sério, num Stamford Bridge em ebulição, é uma inequívoca afirmação de superioridade. Aconteça o que acontecer em Londres, o futebol-arte do Barça marca a época como Gaudí marcou a sua cidade.

Vem aí mais um embate terrível, em Inglaterra, e a dúvida persiste: terá sido Stamford Bridge construído com preocupações anti-sísmicas? É certo que não haverá melhor campeão europeu do que o Barcelona, mas para que isso aconteça é preciso que Guardiola e os seus homens continuem a abalar o mundo. E, até prova em contrário, o melhor mesmo é arranjar abrigo!

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, subdirector editorial do IOL, que escreve aqui todas as semanas. Siga-o no Twitter
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