Na apoteose, entre milhares a banhar-se no lago vermelho do Marquês, procurou-se A IMAGEM. Assim, mesmo em capitais. O momento. O símbolo da festa. Jesus atirado ao ar, depois de uma série de carolos dados pelos jogadores e de um polícia o ter agarrado distraído, confundindo-o

E alguém o culpa por isso?

com um adepto em êxtase. Ou Luisão aos saltos, agarrado a um jornalista. Prefiro recuar mais, não porque goste da face negativa das coisas, mas porque sim. Não me esqueço, nunca poderia esquecer, de Salvio, de regresso ao relvado com o braço ao peito, a chorar como um menino a quem roubaram o sonho. Pode haver algo mais forte que uma imagem assim?

Epicuro de Samos (sim, aqui mudamos assim de conversa) era um tipo esperto. Em Téos, hoje Turquia, ali junto ao Mediterrâneo, questionou-se de onde vinha o caos. Se todas as coisas vieram do caos, como dizia o mestre Hesíodo, quando havia caos, de onde é que ele vinha? Temos de admitir que faz um pouco de sentido. Um pouco.

Parem com os bocejos, rapazes! Prometo que isto ainda terá alguma coisa a ver com bola. Vamos pelo menos ter fé, se é que existe tamanho palavrão na minha filosofia barata. Não na de Epicuro, que, como vos disse, era um rapaz inteligente. Como tal, dizia que o homem queria afastar-se da dor e do medo, e aproximar-se do prazer e, por consequência, do estado de felicidade. 

Xeque!

O seu atomismo, que como qualquer um que se preze tentava explicar todas as coisas, afirmava que os átomos se encontravam de forma fortuita devido a uma ligeira alteração da trajectória, provocada por vontade, desejo ou por afinidade entre eles. A teoria da aleatoriedade pressupunha que podiam existir ou não causas para um acontecimento. Nós, mais simplistas (ou simplórios), traduziríamos isto num 

Há coisas que acontecem porque sim! 

E pronto!

Não desvalorizem já o que Epicuro dizia. Antes, todos acreditavam que havia explicação para tudo. E, hoje em dia, tudo o que não conseguimos explicar está longe de ser obra do acaso. Do tal «porque sim».

Mais ying ou menos yang, são raros os que não acham que a culpa é do raio-que-o-parta do karma negativo e da causa-efeito. Que no fundo é a base da religião. De praticamente todas elas, de uma ponta à outra, sem passar pela casa de partida. Tudo o que fazemos tem uma consequência, agora ou numa outra reencarnação. Se formos maus nesta vida nasceremos como moscas e morreremos esmagados entre as palmas de alguém irritado. Por exemplo. Ou então somos mártires de sorriso rasgado e com vontade em continuar a sê-lo, porque conquistar-nos-á os prazeres do paraíso. O bom do Epicuro preferia os terrestres. Era um tipo inteligente, acho que já o disse. 

Um gajo porreiro, em forma de filósofo.

Salvio, que falhou o final de 2010/11 e já esta época recuperou de uma rotura do cruzado para agora partir o braço e falhar o que falta da temporada, deve andar a pensar em que  karma retorcido anda a tropeçar. Quantas vezes se deve ter perguntado naqueles últimos minutos da primeira parte: 

O que é que eu fiz para merecer isto?



Lembro-me de uma frase do seu ex-selecionador, um tal de Miguel Ángel Tojo nos sub-17 da Argentina.  Foi qualquer coisa assim, mais palavra menos palavra

É muito forte de cabeça, não tem medo de nada.  

Continua a não ter medo, Toto! Não fizeste nada, não tens culpa de nada. O Epicuro, do alto das suas barbas, era todo ele sabedoria. Dizia que as memórias, as boas recordações, eram o melhor analgésico para a dor, enquanto não se atinge o estado de felicidade. Agarra-te a isso, não conseguiste já algumas?

E virás mais forte, Toto. Nem todos os átomos andam desgovernados a chocar uns com os outros, ou haveria muito mais caos do que qualquer filósofo consiga explicar. Às vezes, ao contrário do que dizem, um raio pode mesmo cair duas vezes no mesmo sítio. Porque sim. E quando voltares, estaremos todos, os que gostam de futebol, de braços abertos. Prontos a aplaudir aquelas arrancadas pela direita em jeito de avalanche implacável até à baliza rival.

Volta depressa, mas volta como és,
Toto. Grande!

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«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode segui-lo no     FACEBOOK e no     TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.