O processo de Quim continua a dar que falar. As dúvidas sobre o que terá levado o guarda-redes bracarense a ter acusado, na análise e na contra-análise, níveis excessivos de nandrolona são cada vez maiores ¿- e há especialistas que garantem que uma possível penalização disciplinar do guardião poderá constituir «uma enorme injustiça». 

Em declarações ao Maisfutebol, José Augusto, professor na Faculdade das Ciências do Desporto e de Educação Física, avançou com acusações graves sobre a forma como os responsáveis do CNAD e do LADB estão a conduzir esta questão. Para este especialista em biologia e fisiologia do desporto, que foi preparador-físico da selecção nacional no Euro-2000, «o Quim está a ser vítima de uma tremenda irresponsabilidade» por parte de pessoas que «não sabem o que é o desporto». José Augusto poupa Luís Horta -- «um homem que, apesar de tudo, percebe os desportistas, porque já foi praticante» -- mas mostra-se muito crítico em relação a Manuel de Brito, presidente do IND e do CNAD: «É um teórico de gabinete. Devia perceber um bocadinho mais o que é o esforço de um desportista, sentir na pele o que custa chegar ao topo. Quer ser o paladino da verdade desportiva e pode, com isso, estar a prejudicar desportistas íntegros. Se têm dúvidas sobre o que se está a passar, por que é que continuam a querer culpar os jogadores?»  

A questão é mesmo essa: será que alguém pode ter certezas em relação a tantos casos de nandrolona no futebol? José Augusto acha que não: «A comunidade científica tem cada vez mais dúvidas e todos os estudos que leio sobre o tema apontam para dever existir o máximo de cuidado nas punições. Devia apostar-se na investigação e não na repressão. Há que tentar descobrir por que é tudo isto está a acontecer. Em tantos países diferentes, com tantos jogadores... Futebolistas de grande craveira internacional estão a ser atingidos. Alguém acredita que todos eles tenham caído na armadilha do doping conscientemente?» Uma pergunta que levanta muitas angústias... «Há qualquer factor que está a escapar a todos e que pode explicar isto. Não é por acaso que outros países já abdicaram do limite de dois nanogramas que o Comité Olímpico Internacional (COI) impõe e que em Portugal se insiste em aplicar. Por que é que damos tiros no próprio pé?», interroga José Augusto.  

«Couto é uma força da natureza, Quim um grande profissional...» 

Recordando a sua experiência como preparador-físico da selecção nacional, José Augusto não tem qualquer dúvida em assumir a defesa de Fernando Couto e de Quim: «O Couto é uma força da natureza, um jogador com um poder físico impressionante. Nunca precisaria de nandrolona para nada. O Quim é um grande profissional, um guarda-redes com uma regularidade exibicional impressionante. É uma pessoa íntegra, com uma carreira limpa. Poder ficar de fora do mundial por causa desta situação é uma possibilidade que me revolta profundamente». A contestação em relação aos valores aplicado pelo CNAD continua: «O COI está errado na recomendação de dois nanogramas como limite. Grande organismos internacionais estão a pôr tudo em causa. Ao continuar a seguir o COI, o CNAD está a ser mais papista do que o papa!» 

Bife de javali, porco não castrado, carne de vaca contaminada... 

Mas, afinal, quando e como é que este mistério poderá ser desvendado? José Augusto usa o seu conhecimento científico e arrisca alguns cenários: «Só com uma investigação se poderá chegar a uma conclusão. Mas a questão da produção endógena parece-me importante. Há várias hipóteses de o organismo humano produzir nandrolona em valores superiores ao limite. Uma mulher grávida pode acusar entre 3 a 5 nanogramas, valor bem acima do permitido. Um indivíduo que coma um bife de javali acusa, durante sete ou oito horas, 80 mil nanogramas. Estamos a falar de um tipo de gordura lipófila, ou seja que pode permanecer no sangue durante algum tempo. Uma situação de stress como é um jogo de futebol poderá fazer com que essa gordura que estava em depósito seja detectada num controlo. Quer isto dizer que um jogador pode passar o limite legal sem fazer mais nada do que comer um bife de javali, ou de porco não castrado... Ou mesmo de carne de vaca, da vulgar carne de vaca, se estiver contaminada com aquilo que dão de comer aos animais». 

Mas como explicar que tenham acontecido tantos casos alegadamente involuntários, em tão pouco tempo, em países diferentes? José Augusto arrisca uma hipótese: «Há produtos, perfeitamente legítimos, que têm modas. Pode ser que um produto qualquer tenha circulado por toda a Europa, atingindo tantos jogadores. Eles podem ter tomado aquilo de forma legal, não sabendo o que lá estava, ou o que podia provocar». 

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