O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

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Fantasista e futebolista alemão estão longe de ser sinóminos. O estereótipo do fussballer é o de um atleta possante, lutador e letal na procura do golo. Na prática, em cada alemão há um Cataklinsmann em potência, jogue onde jogue.

Pensa-se em ataque germânico e quem nos surge no pensamento é muitas vezes Jürgen Klinsmann, claro, Horst Hrubesch, Rudi Völler, Gerd Müller ou Karl-Heinz Rummenigge. O último tinha uma classe ímpar, mas estava longe de ser o tal fantasista que procuramos. Claro que ninguém se esqueceu de Beckenbauer, mas andava, na maior parte do tempo, muito afastado da baliza.

Para atingir esse nível de discussão teríamos de passar algum tempo a olhar para Pierre Littbarski, talvez para Thomas Hässler, e pouco mais. Esse futebolista mais técnico, na linha de Schweinsteiger, Özil ou Kroos é bastante mais recente.

Nos anos 90, um Dez-feito-Panzer toca o céu. Chamar-lhe Dez é também redutor, embora com contornos diferentes dos de Pelé ou Maradona. Lothar Matthäus é um dez box-to-box, talvez o único na história. Quem se pergunta se isso existe, a resposta é simples: não, terá existido apenas com ele.

Rápido, poderoso e tecnicamente muito evoluído, carrega a bola desde muito atrás, perto da sua defesa, até à entrada da área contrária. Perigoso no tiro na passada, a sua maior arma, ainda tem quase sempre o discernimento para escolher o melhor para a equipa, com passes de rotura. Rigoroso a defender, com um sentido posicional e sangue-frio raros, pisa todos os terrenos do campo. Também um exemplo, e como tal líder, capitão inevitável. Por isso, sim, é mais do que um Dez.

Os últimos tempos no Bayern.

21 anos de carreira ao mais alto nível. Borussia Mönchengladbach, Bayern Munique, Inter, Bayern outra vez, e Metrostars, nos Estados Unidos, que hoje se chama New York Red Bulls. Falha apenas um título, a Liga dos Campeões, e por duas vezes. Em 1987, frente ao FC Porto, 12 anos depois perante o Manchester United. Já no banco, vê Sheringham e Solskjaer virarem no fim a final para os Red Devils. No ano seguinte, vinga-se e lidera a Mannschaft até ao terceiro título planetário, e ganha a Bola de Ouro. Em 1991, é eleito o melhor do mundo pela FIFA. O único alemão a poder gabar-se de tal feito.

É ainda no Möchengladbach que chega à seleção. Está na lista para o Euro-1980 e mantém-se para o Mundial-1982, perdido para a Itália. Em 1984, sai para o Bayern, onde arrecada os primeiros três títulos de campeão, e é novamente convocado dois anos depois para o México. Marca o golo decisivo nos oitavos de final frente a Marrocos, mas apesar de a Alemanha chegar à final, é Maradona e a Argentina que são coroados. Incumbido do trabalho de Hércules da marcação individual ao Pibe, que oferece o golo da consagração a Burruchaga, não se pode dizer que tenha sido muito feliz.

O Inter, em 1988, depois de um Europeu que termina numa meia-final com a Holanda, que chega a estar a vencer com um golo seu. O treinador em Milão é a velha raposa Giovanni Trapattoni. Chega com o compatriota Andreas Brehme, e recebe o Dez, transformando-se numa verdadeira força criativa dos nerazzurri. Marca 12 golos, serve o habitualmente pouco produtivo Aldo Serena para muitos dos 22 golos que o tornam capocannoniere, e ajuda a equipa a tornar-se campeã oito anos depois, com 11 pontos de avanço sobre o Nápoles.

No ano seguinte, chega Klinsmann. Matthäus continua em grande nível, mas a equipa não corresponde. Falha o scudetto por sete pontos para o Nápoles, e é eliminado pelo Malmö na primeira eliminatória da Taça dos Clubes Campeões Europeus.

Com os dois compatriotas de Milão mais Rudi Völler e Thomas Berthold, que jogam na Roma, terá novamente pela frente a Argentina de Maradona na final do Mundial de Itália. Apesar de ser a maior estrela dessa Mannschaft, será novamente encarregue, desta vez por der Kaiser Franz Beckenbauer, de marcar o Pelusa.

Figura incontornável da Mannschaft.

Desta vez, leva a melhor. Se Brehme marca o penálti decisivo, é Matthäus quem ganha a final ao anular por completo o melhor do mundo. Para trás, ficam quatro golos: dois à Jugoslávia (4-1), e outros tantos dos 11 metros, frente a Checoslováquia e Inglaterra.

«Foi o maior rival que tive. Acho que é suficiente para defini-lo»
(Diego Armando Maradona)

O regresso à Serie A volta a correr mal coletivamente. Assina 23 golos em 46 jogos, 16 na liga. No entanto, é Gianluca Vialli quem ganha o título de melhor marcador, e a Sampdoria arrecada surpreendentemente o titulo, carimbado praticamente no Giuseppe Meazza, com Matthäus a permitir que Pagliuca defenda um penálti e o conjunto de Génova vença por 2-0. Como consolação, conquista a Taça UEFA, numa final com a Roma.

Trap volta à Juventus. Corrado Orrico conduz o Inter a uma das piores épocas de sempre, culpa de uma filosofia demasiado defensiva, que nao agrada a ninguém, muito menos aos alemães. O emblema nerazzurro termina em oitavo, já com o histórico Luis Suárez sentado no banco.

A debandada é total. O nosso Dez volta ao Bayern, Klinsmann segue para o Monaco e Brehme para o Saragoça.

Em Munique, voltam os títulos, já mais recuado em campo, como líbero, posição que repete na seleção até à 150ª internacionalização, embora aqui sem grande sucesso. A inteligência, o rigor e o profissionalismo que sempre dedicou ao jogo permitem-lhe que continue a jogar ao mais alto nível.  

Matthaus não foi Maradona, mas foi especial. Basta ler outra vez o que disse o argentino.

O Dez-box-to-box. Se existiu foi por culpa dele.

Lothar Herbert Matthäus
21 de março de 1961

1979-84, Borussia Mönchengladbach, 162 jogos, 36 golos
1984-88, Bayern, 113 jogos, 57 golos
1988-92, Inter, 115 jogos, 40 golos
1992-2000, Bayern, 189 jogos, 28 golos
2000, Metrostars, 16 jogos, 0 golos

1 Campeonato da Europa (Alemanha, 1980)
1 Campeonato do Mundo (Alemanha, 1990)

7 Campeonatos alemães (Bayern, 1984-85, 1985-86, 1986-87, 1993-94, 1996-97, 1998-99, 1999-2000)
1 Campeonato italiano (INter, 1988-89)
3 Taças da Alemanha (Bayern, 1985-86, 1997-98, 1999-2000)
1 Supertaça da Alemanha (Bayern, 1987)
1 Supertaça de Itália (Inter, 1989)
2 Taças UEFA (Bayern, 1995-96; Inter, 1990-91)
3 Taças da Liga Alemã (Bayern, 1997, 1998 e 1999)
1 Campeonato da Divisão do Este (Metrostars, 2000)

Alguns títulos individuais:

Bola da Prata (segundo melhor jogador) do Mundial de 1990
Equipa ideal do Euro-1988
Equipa ideal do Mundial-1990
Melhor jogador do Mundo para a «Onze Mondial», «France Football», «World Soccer» e IFFHS (1990)
Melhor jogador do Mundo para a FIFA (1991) 
Futebolista alemão do ano (1990 e 1999)
FIFA 100

Os melhores golos:

Primeira série:

Nº 1: Enzo Francescoli
Nº 2: Dejan Savicevic
Nº 3: Michael Laudrup
Nº 4: Juan Román Riquelme
Nº 5: Zico
Nº 6: Roberto Baggio
Nº 7: Zinedine Zidane
Nº 8: Rui Costa
Nº 9: Gheorghe Hagi
Nº 10: Diego Maradona

Segunda série:

Nº 11: Ronaldinho Gaúcho
Nº 12: Dennis Bergkamp 
Nº 13: Rivaldo
Nº 14: Deco
Nº 15: Krasimir Balakov
Nº 16: Roberto Rivelino
Nº 17: Carlos Valderrama
Nº 18: Paulo Futre
Nº 19: Dragan Stojkovic
Nº 20: Pelé

Terceira série:

Nº 21: Bernd Schuster
Nº 22: Nándor Hidegkuti
Nº 23: Alessandro Del Piero
Nº 24: Gianfranco Zola
Nº 25: Kaká