Tive de ouvir comentários azedos entre fatias de pizza num destes jantares. Todos sabemos que estraga sempre a pizza! É como ver um jogo de bola a comer tremoços insossos e a beber cerveja morta há horas, sem certidão de óbito passada. Viste aquele vídeo da Maité a dizer mal dos portugueses? Alerta de indigestão, a vermelho cintilante, por cima dos pratos, talheres e colas alternativas, com menos gás e sabor-aposto-que-é-quase-igual. Aquela imagem a desvanecer, como nos filmes mainstream, antes de acordarmos de um sonho rosa, em frame desbotado, formou-se por segundos antes do regresso à realidade. Hein?

Custou-me ver o regresso destilado de Maradona à Bombonera, ou agora atirando «Chupa!», como treinador mediano, depois de um apuramento in extremis para o Campeonato do Mundo. Ou Jardel a enrolar palavras na sala de imprensa do Sindicato de Jogadores. Não vi Eusébio no Beira-Mar, mas sei que me teria doído. Vivi as dores de Redondo e Van Basten, o goleador mais completo de todos, após lesões amaldiçoadas; achei, como ainda acho, que não valia a pena. Não assim. Há um tempo para todos. Tal como os grandes jogadores, as celebridades têm o seu. Ver Maité desmoronar-se como um daqueles cartazes de cinema, com tamanho de gente e recortados no ar, só porque deixou a porta aberta, foi de mais para mim.

O «3» ao contrário. A internet que não funciona e o porteiro-técnico de informática. A bola de cuspo sobre a água na fonte. Puff. O que realmente lamento é que a bela Maité não tenha feito a reportagem sentada num cavalo branco, sem roupa, como em «Dona Beija», com sintrenses embasbacados, de barba por fazer, a olhar para a musa do início e resto das suas vidas. Não sei se alguns de vocês não serão novos de mais para este texto, agradeço que os menores deixem a sala sem beicinho e birras, por favor. Eu disse: sem birrinhas! É de mau gosto, mas é o seu. Podemos qualificá-lo como um atentado ou lembrar-nos daquela cena. Maité, a cavalo, de noite, a olhar por cima do ombro. Esperem! Silêncio! Não deixem que aquela bola de cuspo a apague para sempre da memória.

Isto de criticar é duro. Se o Deus do futebol é brasileiro, quantos nascidos no seu país já vimos por cá, calçando dois pés esquerdos virados ao contrário? Sem ofensa, claro. Entre tantos, Clóvis, Júlio César, Ronaldo, Leónidas, Luiz Gustavo, Jamir e Paulo Pereira, na Luz; Vinicius, Carlos Miguel, Mauro Soares, Careca e Valtinho, na velha Alvalade; ou Ezequias, Léo Lima, Bomfim, Serginho Baiano, Clayton, Elias, Rubens Júnior e Cajú nas Antas... Todos seriam candidatos perfeitos a «Bidão de Ouro». Isto se houvesse prémio tão ignóbil por cá. Nunca seremos tão inconvenientes como os italianos, sabias Maité?

E depois houve os mísseis de Isaías, a arrogância de Mozer, a classe de Ricardo e de Valdo, a presença de Aldair e a solidariedade de Elzo. Os livres de André Cruz, a fiabilidade de César Prates e Marco Aurélio, a irreverência de Fabri e Edmilson, a serenidade espantosa de Luisinho, a técnica de Silas, as meias em baixo de Douglas e o festejos do homem-morcego Leandro. Branco, Geraldão e Celso também pintaram memórias a quarenta metros, Aloísio fez-se referência, Anderson virou menino-bonito, e Derlei e Juary ergueram os braços para a Taça. Houve mais que falharam aqui e sorriram longe. Houve mais que não voltaram a ser ninguém. Outros que tiveram segunda oportunidade. Tantos e tão diferentes. Como nós?

Sempre achei que Maité era daquelas pessoas com quem se pode ter uma conversa inteligente. Nada mudou! E, por isso, desta vez, escolho eu o tema. Maité! E aquelas primeiras camisolas do grande Liedson com o «s» ao contrário, pô?

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião de Luís Mateus, subdirector editorial do IOL, que escreve aqui todas as semanas. Siga-o no Twitter
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