Depois do Adeus é uma rubrica do Maisfutebol dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt

Paulo Teixeira traz a essência transmontana cravada na alma: é um rapaz simpático, simples e cordial. Não prepara o discurso, não pensa muito na resposta e não tenta passar uma imagem de alguém que não é. Fala até com uma sinceridade desarmante.

Foi formado no Sporting ao lado de jogadores como Quaresma, Hugo Viana, Beto, Custódio ou Carlos Martins, foi capitão das várias equipas jovens por onde passou, foi internacional e chegou a ser uma grande promessa do futebol português.

Aos 26 anos, no entanto, desistiu de tudo: não queria aquela vida para ele.

«Não conseguia perceber qual era o problema, se era meu ou se era das pessoas. Não queria retirar-me confiança, até porque era titular nas várias equipas e achava que fazia o suficiente, mas a verdade é que às vezes duvidava e pensava que se calhar não era suficientemente bom. Foi aí que veio um grande desencanto e decidi mudar de vida», começa por contar.

«Por isso acabei a carreira a meio da época. No final da primeira volta senti que não tinha mais forças para continuar e disse que não ficava ali nem mais um dia.»

Paulo Teixeira estava há seis meses no Vihren, da Bulgária. Antes disso passara por Sporting B, Lourinhanense, Portimonense, U. Madeira, Ovarense e Olivais e Moscavide.

A carreira não estava, portanto, a tomar o rumo que pensara dar-lhe. O que trouxe o desencanto.

«As coisas na minha vida sempre aconteceram de uma forma muito natural», refere.

«Comecei a ser uma referência no Sporting muito novo, depois também na seleção nacional, sentia que tinha preponderância nas equipas onde jogava, por isso sonhei com grandes coisas, sim. Achei que naturalmente ia chegar longe no futebol.»

Paulo Teixeira não sabe explicar por que razão a carreira não chegava ao patamar imaginado. Sabe que teve alguns azares, lesionou-se por exemplo duas semanas antes da geração dele ser campeã europeia de sub-18, teve também uma doença grave provocada por uma bactéria que lhe roubou nove meses de vida, mas acrescenta que esses azares não explicam tudo.

Até porque era jovem, era titular nas equipas de II Liga por onde passava e sentia que podia dar mais. Infelizmente o convite para dar o salto não chegava. Ano após ano, esse convite não chegava. O que o fez desencantar-se pelo futebol e decidir mudar de vida.

«O que mais me custava era saber que fiz enormes sacrifícios, deixei a minha família aos 13 anos em Mirandela e fui sozinho para Lisboa, batalhei tanto e não conseguia chegar onde queria.»

Nesta altura Paulo Teixeira viaja no tempo para lembrar como não teve uma adolescência fácil.

«A mudança para Lisboa custou-me muito. Não havia as condições de agora, estávamos todos debaixo da bancada de Alvalade, estava lá com o Ronaldo, o Hugo Viana e vários outros jovens. Para além disso Lisboa é uma cidade com uma mentalidade diferente, as pessoas muito mais evoluídas, eu vinha de uma terra pequena, quase uma aldeia… A adaptação foi difícil», conta.

«Mas sobretudo para os meus pais foi complicado. O meu pai gostava de futebol, era treinador, sabia que eu era maduro e até aceitou bem a minha mudança. A minha mãe não, para ela foi muito difícil. Ainda hoje me diz que se fosse agora não me deixava ir. Só para se ter uma ideia, só nos víamos duas vezes por ano: nas férias do natal e nas férias do verão.»

Voltando à história no ponto em que tínhamos deixado o novelo, interessa dizer que com 26 anos, a jogar num pequeno clube na Bulgária, longe da mulher e do filho de três anos, Paulo Teixeira decidiu que era tempo de parar de sofrer.

«Tinha um amigo de infância que estava aqui na Suíça há algum tempo a fazer relógios. Em conversas que tínhamos ele dizia-me que se decidisse deixar o futebol, ele me ajudava, ensinava-me esta profissão e falava com o patrão dele. Foi o que aconteceu», recorda.

«Eu estava desiludido, estava saturado e falei com ele. Decidi deixar o futebol, vim para a Suíça e ele ensinou-me tudo. Depois entrei nesta empresa e aqui permaneço. Já lá vão dez anos.»

Mas o que é que Paulo Teixeira faz afinal?

«Eu trabalho em relógios com diamantes e faço o trabalho de aplicação dos diamantes. É um trabalho muito meticuloso. Estou com um binóculo no olho, como os investigadores, e espeto os diamantes com uma pinça muito cuidadosamente. A empresa tem cerca de 150 trabalhadores e faz relógios para todas as grandes marcas: Rolex, para a Cartier, Audermars Piguet, Breguet, Bulgari, enfim, todas essas marcas de luxo», revela.

«Se tenho ideia do dinheiro que me passa pelas mãos? Os relógios que trabalhamos são em ouro, mais os diamantes, é normal que me passem pelas mãos milhares de euros por dia. Também já me aconteceu estragar diamantes, claro que sim. São coisas que acontecem.»

O mais importante é que hoje em dia Paulo Teixeira está totalmente adaptado e satisfeito com a nova vida. Para trás deixou as ilusões de grande promessa do Sporting e da Seleção Nacional.

«Fico contente quando vejo antigos colegas em grandes clubes ou na Seleção, gosto de ver que conseguiram fazer uma boa carreira. Foram pessoas que trabalharam muito e mereceram, mas não fico com inveja, honestamente. Não tenho esse sentimento. Compreendi que a vida é assim mesmo e é diferente para todos nós. Aceitei o rumo que a vida me deu e sou feliz com o que tenho.»

E o que é que a vida lhe deu, exatamente?

«Deu-me a maior riqueza que se pode ter, que é a estabilidade. Na Suíça não se fazem fortunas de um dia para o outro, mas há uma boa qualidade de vida em todos os aspetos. Há boas escolas, bons hospitais e o salário é condizente com o que é necessário para se viver. Nesse sentido, tenho tido uma boa qualidade de vida, sim. Nesta altura não me passa pela cabeça regressar a Portugal. Eu estou bem, a minha mulher está bem, o meu filho está bem, estamos todos bem aqui.»

O futebol, de resto, está arrumado e bem arrumado num canto da memória. Paulo Teixeira não tem nenhuma questão mal resolvida com o passado: tanto assim, aliás, que continua a gostar do jogo.

«Aprendi a gostar do futebol de uma maneira não competitiva. Não tenho saudades da competição, da pressão de todos os dias ter de treinar muito bem para ganhar um lugar na equipa e no fim da época dar o salto. Disso não sinto falta nenhuma. Mas vejo os jogos do Sporting, que é o meu clube, vejo os jogos da Seleção e quando tenho tempo vejo um bom jogo de futebol internacional.»

Aos 36 anos, Paulo Teixeira tem um emprego estável, o dinheiro que precisa, a companhia da família que ama e a paz de espírito necessária para ser feliz.

E essa é a maior vitória que um homem pode ter na vida.

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